segunda-feira, 21 de novembro de 2011

22 de Novembro

MORRER COMO UM HOMEM de João Pedro Rodrigues - 22.11.2011 -21h30


(...) Com Morrer como um Homem, Rodrigues tenta criar um musical sem números musicais convencionais e este desafio cria algumas das suas filmagens mais divertidas e exuberantes até hoje. Depois do mutismo controlado de O Fantasma, quase silencioso à excepção de um coro canino esporádico, Odete mostra o seu dom para a epifania da banda sonora: uma viagem de carro de um Rui destroçado no fim da noite é acompanhada pela balada crua e tristonha de Big Star, "Kanga Roo"; um interlúdio ligeiramente assustador traz um sopro aterrador de "Smells Like Teen Spirit", cantada por um coro de miúdos. Morrer como um Homem mina a referência a pequenos laivos de euforia. Ao mesmo tempo que as personagens estão prontas a começar a cantar, à capela, a acção nunca surge como espectáculo coreografado. Mas sempre que alguém começa a trautear (quase invariavelmente uma canção popular portuguesa sobre a perda e a amargura), o filme como que cai numa espécie de feitiço e dá-se um momento de ruptura subtil. Enquanto o amigo de Tonia a ajuda a pôr a cabeleira, Rodrigues dá à imagem um tom vermelho e depois azul e passa a um ângulo de cima para baixo quando Tonia roda na cadeira – uma espécie de simplificação de Busby Berkeley. Num outro sentido, quando um Rosário enfadado muda a estação de rádio no carro, Tonia continua a cantarolar, quase a sussurrar, e a câmara demora-se na sua cara, vista através de uma janela manchada com pingas de chuva e reflexos. Mas o verdadeiro momento alto é guardado para uma visita à floresta, onde Tonia se encontra finalmente com a criatura que surgiu pele primeira vez no prólogo, a estranha grande dama Maria Bakker (Gonçalo Ferreira de Almeida). A caminhada nocturna é interrompida quando a lua fica vermelha e todas as personagens, banhadas por esta luz esquisita, se sentam a ouvir um hino trémulo de cabaret ("Calvário" cantado pela cantora transexual Baby Dee), vindo de uma fonte que não se vê.(...)
Dennis Lim
Art Forum, Setembro, 2010

THE LEOPARD MAN de Jacques Tourneur - 22.11.2011 - 19h00

 
Para cada um dos três filmes que realizou para Val Lewton (Cat People, I Walked with a Zombie, The Leopard Man), Jacques Tourneur  encontrou uma tonalidade e um ritmo singulares que se coadunam com o encadeamento das situações e com os percursos das personagens. Em I Walked with a Zombie Tourneur consegue manter quase a mesma tonalidade ao longo de todo o filme, definindo-se a sua melancolia essencialmente através desta forma de tratar num mesmo registo a morte e o amor, o medo e a alegria, os rituais mágicos e os momentos melodramáticos, como se tudo estivesse definido antecipadamente num universo onde os humanos são movidos por forças que os ultrapassam. É também o que demonstra The Leopard Man, com a metafórica bolinha pousada no repuxo de uma fonte, mas as forças invisíveis brincam aqui com maior crueldade com as personagens: como presas entre as patas de uma gato, são empurradas de instantes de angústia para instantes de acalmia, sem nunca saber de onde virá essa morte escondida nos interstícios de um mundo capaz de uma imensa doçura tanto quanto da violência mais fulgurante. Mais do que os dois filmes anteriores da série, The Leopard Man vive das rupturas, dos contrastes, das oscilações. E se I Walked with a Zombie se pode aparentar a um longo movimento sinfónico (que faria deste filme uma espécie de equivalente cinematográfico da Ilha dos Mortos de Rachmaninov), The Leopard Man seria antes uma série de variações a partir de um motivo claramente exposto na primeira cena e depois retomado três vezes antes de, no fim, todos os elementos serem reunidos num estranho requiem.
(...)
A estrutura singular de The Leopard Man é pois, antes de mais, construída por sons. As suas múltiplas variações dão a impressão de uma fatalidade implacável que torna o filme profundamente triste: tudo se transforma mais ou menos em ecos e as personagens ficam como que prisioneiras dessa constante ressonância das situações e dos objectos entre si. (...)
Marcos Uzal
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011 

SPOOK SPORT de Mary Ellen Bute e Norman McLaren - 22.11.2011 - 19h00


(…) Spook Sport, de 1939, é um ballet fúnebre à meia-noite de fantasmas a levantar-se das campas, morcegos às voltas e ossos de esqueletos a dançar ao som de Danse Macabre de Camille Saint-Saëns. Bute colaborou em Spook Sport com Norman McLaren cujo estilo impregna o filme. Desenhando a tinta directamente na película, McLaren executou simples ícones que representam as pedras funerárias, os morcegos, os sinos e os ossos. Estas figuras agitadas, nervosas e saltitantes sugerem o sentido estilístico do jogo visual e rítmico de McLaren, mas a fluidez do movimento, as harmonias cromáticas dramáticas e o rico uso da profundidade de campo são sobretudo típicas do estilo altamente individual de Bute. Spook Sport, no entanto, oferece contornos narrativos temporais mais nítidos do que em qualquer outro filme de Bute. Começa com um relógio a dar a meia-noite e termina com o sol nascente e o cantar do galo. Ainda para mais inspira-se nas convenções das conhecidas Silly Symphonies de Walt Disney e, de facto, uns anos antes, Disney tinha filmado uma Danse Macabre, um ballet no cemitério em Skeleton Dance de 1928.  No entanto, de modo diverso do de qualquer filme de Disney, Spook Sport equilibra de forma magnífica a abstracção e a experimentação formal com música programática familiar e com a sugestividade representacional dos géneros de entretenimento populares. É irónico que Fantasia de Disney (1940), estreado um ano depois,  se tenha tornado no emblema para este tipo de animação, já que Spook Sport ganhava a Disney no seu próprio jogo. Tal como as fundações da arte da animação de sucesso, Spook Sport recorre a um tema e música familiares. Mas, ao contrário do trabalho de Disney, Spook Sport coloca as propriedades formais básicas no primeiro plano como matéria expressiva.
Lauren Rabinovitz
"Mary Ellen Bute"
in Lovers of Cinema: The First American Film Avant-Garde, 1919-1945
Jan-Christopher Horak

domingo, 20 de novembro de 2011

21 de Novembro

UMA ABELHA NA CHUVA de Fernando Lopes - 21.11.2011 -22h00


(...) O seu olhar [de Fernando Lopes] não é frontal, desliza pelas coisas e pelos seres, insinua-se, não mostra, alude, ou ilide, escamoteia a preparação das cenas e as suas consequências, atravessa incansavelmente nos dois sentidos essa fronteira, aqui tão permeável, entre o sonho e a realidade. É por isso que nunca o apanhamos onde julgamos ir encontrá-lo. Com as suas sandálias aladas diverte-se - como uma criança que canta alto no escuro para afastar o medo? - num jogo sério e lúdico com o espaço e sobretudo com o tempo, até que a Velha Senhora, que nos espera no fim do tempo, ponha ponto final na dança macabra. O que Fernando pratica neste filme com aristocrátia é a arte da fuga.(...)

Alberto Seixas Santos
in Alberto Seixas Santos
ABC Cine-Clube de Lisboa

DEVI (A Deusa) de Satyajit Ray - 21.11.2011 - 19h00


(...) há que começar por atentar na própria “Deusa”, Doyamoyee, “vítima que se deixa passar para o lado que a condena”, e isso não tanto pela passagem em si mesma mas pelo facto de esta não relevar de uma simples submissão: Doyamoyee duvida e (...) essa dúvida não tem retorno, deixando um primeiro sinal de perturbação de toda a linearidade crítica, não parecendo haver qualquer intenção de esconder a ambiguidade da atitude (Ray deixa em aberto se se trata de “adequação à época” ou algo mais profundo e intemporal). Em segundo lugar, há que pensar na personagem do marido, Umaprasad, opositor religioso (há referência à sua filiação cristã) e alternativa moderna à geração dos “zamindars”: como compreender a enorme incapacidade que o marca a ele, e, mais do que a ele, ao mundo dele (professor incluído), e que o torna “inexplicavelmente” derrotado, mesmo se, dir-se-ia, não ferido pela dúvida…? Também neste ponto Ray tem, ainda, uma caução de época, além de um subterfúgio pragmático, aos quais, aliás, se referiu: “Devi passa-se numa época em que o racionalismo é uma filosofia comparativamente nova, ainda sem raízes profundas em Bengala. Os que a adoptam demonstram com frequência falta de coragem”...; além disso, “se Umaprasad não se tivesse submetido às implorações de Doya não tinha chegado a haver história”. Mais uma vez, porém, a resposta não chega para esgotar o assunto. Mesmo que, de facto, não queiramos imputar ao personagem uma dúvida real que, no seu caso, não parece existir, a fraqueza dele (e do seu irmão...) perante a intensidade do fenómeno é, em si mesma, perturbadora. Tanto que, de resto, quase se poderá perguntar se não terá sido essa intensidade conferida ao fenómeno criticado – mais do que a dureza da crítica - o “pecado” maior que esteve afinal na origem das acusações ao autor.(...)
José Manuel Costa
Folhas da Cinemateca

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

19 de Novembro

LIEBELEI de Max Ophuls - 19.11.2011 - 19h00


(...) Muitos comentadores sublinham o papel fundamental da música em Liebelei, que começa durante uma representação de O Rapto do Serralho, termina ao som da quinta Sinfonia de Beethoven e utiliza diversos outros temas da música clássica. Na mitologia de Viena, uma cidade que para Ophuls era mítica e não real, a música de concerto tem um papel central e na peça que deu origem ao filme o pai de Christine e ela própria são músicos. Na sequência de abertura, durante a representação da ópera, o paralelo entre a vida e a arte, entre a narrativa da ópera e a vida dos protagonistas, conta menos do que a organização do espaço e do tempo suscitada pela representação operística. Nesta sequência, a representação musical suprime praticamente todos os diálogos, reduzindo-os ao mínimo e impõe o seu tempo aos acontecimentos.(...). A esta magnífica sequência de abertura, faz eco a sequência do duelo e da morte de Fritz, também ela dominada pela música.(...)
Pode-se estabelecer analogias entre os arabescos da música e os do filme de Ophuls, desenrolar generalidades sobre este tema, mas estas duas sequências materializam de modo inegável a musicalidade do seu cinema, mostram a que ponto a música está no corpo deste filme.(...)

Antonio Rodrigues
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011

EAUX D'ARTIFICE de Kenneth Anger - 19.11.2011 - 19h00


No seu excelente ensaio sobre Kenneth Anger, publicado em 1999, Olivier Assayas assinala com agudeza a filiação de Kenneth Anger ao cinema mudo americano, onde o espectador pode ver outras coisas através daquilo que é mostrado. Esta filiação ao cinema mudo é sublinhada pelo facto de todos os filmes de Anger serem mudos, mais exactamente sem diálogos, sendo-lhes sobreposta uma rica banda musical, que raramente é composta por música especialmente feita para o filme em questão. Grande montador (quando se pensa que em inícios dos anos 50 Henri Langlois quis confiar-lhe a montagem/reconstituição de Que Viva México!, um filme que tinha tudo para o fascinar e estimular...) e por conseguinte mestre do ritmo, Anger faz da música que insere nos seus filmes (clássica, de variedades, rock) um elemento da montagem. (...)
Antonio Rodrigues
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011

BOB DYLAN E O CINEMA - Conferência de Cyril Neyrat à volta de MASKED AND ANONYMOUS de Larry Charles - 19.11.2011 - 16h00


(...) A importância do cinema na música de [Bob Dylan] e na sua própria obra cinematográfica merecem ser reavaliadas. (...) Embora os filmes de, com ou sobre ele, formem uma filmografia esporádica, o cinema constituiu uma linha contínua na sua obra. Na superfície, há inúmeras referências e citações fílmicas disseminadas pelas suas canções. Mais profundamente, é a própria escrita, a poética de Dylan que, qualquer que seja o seu campo experimental, tem em si a marca do cinema, revela a sua influência essencial. Cantor, músico, poeta e pintor, Dylan é tudo isso, com a idade do cinema.

Por variadíssimas razões, Dylan preferiu esquecer a sua obra de cineasta (...) O fracasso de público e da crítica de Renaldo and Clara fere profundamente Dylan que decide então renunciar ao cinema. Até regressar a ele em 2003, discretamente, como que através de uma porta secreta: escrevendo o guião e interpretando o papel principal de Masked and Anonymous, realizado por Larry Charles. Nova incompreensão: a crítica despreza-o, o público fica indiferente – como se um grande cantor e poeta não se pudesse perder no cinema. Contudo, Masked and Anonymous merece que lhe dediquemos mais atenção: por detrás de uma aparência de esboço mal filmado, de parada de estrelas desempenhando os seus papeis em roda livre, esconde-se uma referência importante da obra de Dylan: uma meditação melancólica sobre o duplo destino de um país e de um artista, uma espécie de anti-filme com uma escrita sem dúvida desconcertante mas enraizada na tradição poética do patchwork carnavalesco e da farsa alegórica.
(...)
Cyril Neyrat
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011

18 de Novembro

O RIO DO OURO de Paulo Rocha - 18.11.2011 - 21h30


 (...) "A Balada do Rio do Ouro" – tal era o título do projecto inicial – configurava um objecto fílmico que se pretendia construído como uma partitura musical, não apenas pela sua composição desdobrada em andamentos, sobre um mesmo pano de fundo fluvial permanente, como também pela recorrência das referências muito concretas a formas populares da palavra-em-música (que implicaram um aturado processo de investigação-invenção, no qual tive a honra e o prazer de participar). Para já não falarmos daquilo que, entre os demais traços específicos, faz o génio singular do gesto deste mestre, a saber, a musicalidade dos seus planos-sequência, em que cine-olho e corpos filmados se envolvem em coreografias violentas, por vezes sofredoras, sempre líricas e absolutamente reorganizadoras do «real». O plano-sequência de Rocha esculpe no vivo do espaço-tempo, através da carne desarmada dos seus muito amados actores. (...)

Regina Guimarães
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011

(...) Tenho a impressão, sempre que aquela luz rósea e dourada se escapa dos planos, de me encontrar em companhia de fantasmas muito vivos que nunca deixaram de exercer o seu poder sobre o carácter dos homens: Homero, Sófocles, Shakespeare, Dostoievski, Kafka que, todos eles, sabiam que uma narrativa autêntica se baseava na permanência e na transmissão, quer dizer, na declinação de uma gama de sinais em variações infinitas. Numa palavra: na repetição.
A gama de sinais é, aqui, sobretudo musical mesmo se nos podemos entreter a procurar equivalências entre as cores repartidas com rigor ao longo de todo o filme (o ouro e o sangue conjugados em tonalidades mais suaves, um ocre de poeira e um rosa carne) e as melopeias que se erguem até ao céu a partir das margens onde as mulheres velam e a partir do próprio rio, onde velam outras criaturas: assim se obteria um exemplo bastante surpreendente de sinestesia eisensteiniana. Sem ir tão longe, não porque fosse errado mas porque seria exagerado, do filme emana, todavia, a ideia muito forte de correspondências orgânicas que lhe garantem coerência e espírito e sugerem a imagem de uma fonte inesgotável de jogos e de mistérios, a do próprio rio: ao mesmo tempo vasta e profunda.(...)
Pierre Léon
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011

U SAMOGO SINEVO MORYA (À Beira do Mar Azul) de Boris Barnet - 18.11.2011 - 19h00


 (...) A narrativa avança suspensa das mais belas elipses. O colar oferecido a Macha e o plano - misteriosíssimo e secretíssimo - em que as pérolas se desfiam, uma a uma, apagando-se no chão o seu brilho, como se fossem estrelas cadentes, tilintando contra o solo. Depois, a sequência que Daney tanto amou. E era Daney quem dizia que só queria falar dela contando-a, como se a oralidade se juntasse à única beleza das imagens. “Lembras-te como é tão bonito quando o mar enche a tela toda; lembras-te quando ela ainda não percebeu que estão todos a chorar porque julgam que ela morreu, e quando ela começa a rir com os dois rapazes? Lembras-te quando eles começam a dançar?”. Lembras-te? é a pergunta que apetece fazer a propósito do milagre único dessa sequência, desde que os dois amigos a vêem ao longe, nas ondas, e percebem que ela ainda vive, até à chegada dos três - como se viessem da morte, mas plenos de vida, de juventude e de inocência - ao velório onde os velhos choram. E não há maior milagre como quando ela pergunta “quem morreu?” e a resposta é a mais bela dança que me lembro de ter visto em cinema. Nunca, talvez, como nessa fabulosa sequência, o cinema tenha estado tão perto de nos dar a ver o que é a alegria. E nunca, a não ser em Ordet de Dreyer, o triunfo dos corpos ressuscitados foi tão físico e tão anímico, tão carne e tão espírito.
Depois, é a invenção de uma fotografia para que os corpos não entristeçam e para que todos possam sorrir melhor uns para os outros. Depois, é o pedido permanente do amigo “escuro” para que não lhe façam cócegas. Depois, é, de novo, e sempre, o mar, as ondas, o vento sossegado. Como se viéssemos de um sonho ou a um sonho regressássemos.

Este é um dos filmes mais bonitos que jamais se fizeram.

João Bénard da Costa
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011

17 de Novembro

RAPT de Dimitri Kirsanoff - 17.11.2011 - 22h00


(...) Não sendo o único elemento a que se deve prestar atenção em Rapt, o som (e, em particular, a banda musical de Arthur Honegger e Arthur Hoerée) é um aspecto especialmente interessante, quer pela forma como se tenta descolar de uma mera função “realista” quer por os ecos da “avant garde” dos anos 20 passarem, em grande parte, pela articulação que filme faz entre a música e as imagens (repare-se, por exemplo, nas sonoridades que acompanham a noite final, durante a tempestade, e que mais do que um “comentário à dramaturgia” correspondem, elas próprias, a um instrumento fundamental na construção dessa dramaturgia).(...)
Luís Miguel Oliveira
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011

(...) Kirsanoff sobrepõe uma outra linha de composição/montagem sobre a música  de Honegger, contrapondo ritmicamente elementos sonoros naturalistas, de forma a criar uma dinâmica musical sobre a paisagem, construindo simultaneamente na montagem um paralelismo narrativo que nos conduz de imediato ao drama central da história, o rapto.
O ritmo que se estabelece desde então culmina na sequência da tempestade, onde Kirsanoff cria uma forma inovadora de plasticidade musical, ao provocar um clima de tensão progressivo pelo uso sistemático de frases musicais que se repetem, construídas sobre solos dissonantes da orquestra de Honegger, com recorrência às Ondes Martenot e montadas sobre as imagens da tempestade por Hoérée.(...)
José Nascimento
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011

SYMPHONIE DIAGONALE de Viking Eggeling - 17.11.2011 - 22h00


[En 1923 Viking Eggeling] começou a sua Symphonie Diagonale (Sinfonia Diagonal), o único filme que completou durante a sua vida. Ao contrários dos filmes abstractos de [Hans] Richter, que utilizam um vocabulário de formas geométricas e que conscientemente perturbam as relações entre a figura e o fundo, a obra de oito minutos de Eggeling é composta de formas abstractas filmadas contra um fundo preto estável. Lineares ou curvilíneas, por vezes vagamente orgânicas ou arquitecturais, estas formas manifestam um ritmo visual – um contraponto óptico e uma simetria -, apesar do modo cuidadoso e deliberado como aparecem no ecrã. O resultado, de algum modo análogo à experiência de observar os elementos de um qualquer complexo sinal de néon a acender e apagar, transmitem hipnoticamente uma sensação de temporalidade a revelar-se. Ao ver o filme na sua estreia pública numa projecção do Novembergruppe em Berlim, em Maio de 1925, Arnheim chamou-lhe “um híbrido claramente desenhado entre um pente de bolso e uma flauta de pan.
Edward G.Dimendberg
in Cinema: Film Aesthetics and Practice

MALDONE de Jean Grémillon - 17.11.2011 - 19h00

domingo, 13 de novembro de 2011

16 de Novembro

EIN ARBEITERCLUB IN SHEFFIELD (Um Clube de Trabalhadores em Sheffield) de Peter Nestler - 16.11.2011 - 22h00


Um dos mais belos documentários de Peter Nestler, filmado em Sheffield na década de 60 e um documento sobre a vida operária. O filme mostra lado a lado as difíceis condições de trabalho com imagens de um clube de entretenimento frequentado pelos operários e onde acompanhamos o programa que é apresentado. O filme recorre, tal como noutros filmes de Peter Nestler, à imagem fixa, com mais de 200 fotografias integradas no filme, a que se acrescenta o som directo e o registo dos cantores que vemos.

Descrição do filme por Elke Peters, Filmkritik, Setembro 1979:

"Os que chegam, falam com os amigos, bebem cerveja, jogam às cartas ou estão para lá sentados. Uma das mais bela sequências é aquela em que vemos duas mulheres a dançar uma com a outra. A câmara segue-as e como elas dançam, a câmara também tem de dançar. O senhor Pop Lomas, o presidente do clube, pede aos presentes atenção para o programa. Abre-se a cortina e um duo canta "How Many Roads..."
O programa é variado e vai de áreas de ópera a paródias rock. Todos são estrelas, aqueles que aqui estão. Do ponto de vista burguês não passam de imitações de estrelas. Mas o filme nega estas diferenças. É apenas aqui no Clube que se podem ver estes artistas a expressar a sua própria cultura popular, na qual se inspiram e onde servem de modelos a seguir. (...)

SPARE TIME de Humphrey Jennings - 16.11.2011 - 22h00


(...) O hino nacional, a música do baile, a fanfarra, o coral de Haendel... Se Spare Time não fala, é, em todo o caso, um filme que canta. A cada sector industrial as suas árias em que todos têm o mesmo papel e ocupam o mesmo lugar. Aberturas de oratórios de certo modo: introduzindo a sequência, a música marca o tom.  Marca o do som e da imagem, vemos e ouvimos a fanfarra engalanada dos mineiros, a orquestra de kazoos dos operários do algodão ou o coro barroco do aço. E, sempre, a música abandona a sua própria imagem, parte para acompanhar outros planos, aqui um par de namorados, ali crianças que brincam na rua, além transeuntes, famílias... Acompanhamento a ser visto, aqui, como algo de cúmplice, como o “air-copain” de que fala Léo Ferré a propósito daquelas canções que andam na moda e nos acompanham no nosso quotidiano. Esta música que corre quando correm os planos dos trabalhadores nos seus momentos de prazer não está ali para acompanhar a dramaturgia do filme. Aqui ela trilha o seu caminho em paralelo com as imagens, segue a sua linha como as imagens seguem a sua, em perfeita sintonia uma com a outra. A isto se chama-se contraponto.(...)
Renaud Legrand
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011

RHYTHM de Len Lye - 16.11.2011 - 22h00


(...) Talvez para ironizar o slogan publicitário segundo o qual um carro por minuto saía das fábricas de Detroit, em Rythm Lye condensa o processo de fabrico de um carro, literalmente, em um minuto. Rythm recebeu o prémio de melhor filme publicitário do ano em Nova Iorque, mas Lye não pôde recebê-lo porque o comanditário, a Chrysler, recusou o seu trabalho.(...)
Antonio Rodrigues
in Folhas da Cinemateca

EILEITUNG ZU ARNOLD SCHOENBERGS “BEGLEITMUSIK ZU EINER LICHTSPIELSCENE” - (Introdução à "Música de Acompanhamento para uma Cena de Cinema" de Arnold Schoenberg) de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet - 16.11.2011 - 19h30


(...) O historiador materialista, explorador das constelações, é um montador de tempos. Como é que esta ideia esclarece uma certa relação entre a música e o cinema? É que montar os tempos não é restituir a ilusão de um tempo linear, mas, pelo contrário, destrui-la para criar contrapontos ou dissonâncias temporais. Bach, ou Schönberg. Schönberg libertou a dissonância, isto é, uma concepção da composição musical como montagem. Porque também ele atravessou a história do século em constante dissonância; a sua vida e a sua obra compõem a figura de um herói do materialismo histórico.

Einleitung zu Arnold Schönbergs Begleitmusik zu einer Lichtspielszene (Introdução à ‘Música de Acompanhamento para uma Cena de Cinema’ de 'Arnold Schoenberg'”) é um filme-constelação e uma grande lição de história materialista. Straub e Huillet puseram em música a história do século, compuseram o equivalente cinematográfico de uma música atonal que, produzindo as dissonâncias da história a partir das dissonâncias de uma vida de homem e de artista, ainda conservava, em 1972, a última esperança de Benjamin: "libertar a criança do século das teias nas quais eles a enredaram".
Cyril Neyrat
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011

PUISSANCE DE LA PAROLE de Jean-Luc Godard - 16.11.2011 - 19h30


(...) Em Puissance de la Parole, o montador Godard acabou de metamorfosear a famosa “escrita cinematográfica” em composição musical. O poder da montagem transforma a totalidade da matéria fílmica em notas e acordes de uma partitura. Tudo é relações. Neste sentido, o cinema, tornando-se música, é verdadeiramente o cinema da era pós-ontológica. Se o montador é um compositor, não será o cinema outra coisa senão música? Sim, mas uma música singular, cinematográfica, no sentido em que as notas já não são os sinais de uma linguagem abstracta, mas traços colhidos na mesma matéria do mundo, fragmentos do universo. O cinema, tal como Puissance de la Parole o concretiza, é a música do cosmos.
Cyril Neyrat
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011

TRADE TATOO de Len Lye - 16.11.2011 -19h30


 Poucos meses depois de completar Rainbow Dance, Lye recebeu outra encomenda de Grierson – Trade Tattoo – que lhe permitiu desenvolver ainda mais as suas ideias sobre a separação cromática e de forma ainda mais extrema. O guião breve e mundano de Trade Tattoo era o seguinte: “O ritmo de um dia de trabalho no Reino Unido. / As fornalhas são acesas. / Cargas montadas / Encontram-se os mercados / Pelo poder da correspondência / O ritmo do negócio é mantido pelos correios / Mantem o ritmo ao enviar cartas cedo / Tem de enviar as cartas cedo para manter o ritmo / Antes das 2 da tarde.” Desta vez Lye optou por trabalhar com out-takes – com material que sobrou de documentários da GPO. Seleccionou filmes em que se via o correio a ser escolhido, imagens de homens a soldar, carga a ser montada, uma siderurgia e outras formas de trabalho. Estas imagens documentais a preto-e-branco foram transformadas de modos tão fantásticos, como se tivessem sido tomadas de assalto por uma equipa energética de Cubistas e Futuristas. Não havia nenhum desrespeito envolvido – de facto, Lye tratava a mensagem dos Correios com mais seriedade do que era habitual porque estava intrigado com a ideia de que a Inglaterra trabalhadora do dia-a-dia tinha um ritmo subjacente. Existia uma figura do movimento para uma sociedade inteira? Como resposta possível a esta questão Trade Tattoo pode relacionar-se com filmes como Berlin: Sinfonia de uma Cidade de Walther Ruttmann (filme que Lye admirava). 

 Roger Horrocks
in Len Lye: a biography

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

15 de Novembro

LE TEMPESTAIRE de Jean Epstein - 15.11.2011 - 19h30


Foi preciso Epstein morrer para se lembrarem que ele tinha vivido. (...) E seria preciso esperar que Epstein desaparecesse para que as pessoas se interrogassem: não era um génio? (...)
Hoje em dia, é impossível negar-se a importância desta obra, depois da projecção do Festival de Cannes onde tanta gente de boa fé se entreolhava, admirada, perguntando porque é que nunca tinha visto Le Tempestaire. (...)
Quando incluí Le Tempestaire no programa de curtas metragens do Museu, toda a gente me pediu encarecidamente que o retirasse por respeito à memória e à obra de Epstein. Ora nenhuma dessas pessoas o tinha visto e hoje são os primeiros a perguntar porque aberração é que se tinham recusado a vê-lo. Sejamos honestos. Não se trata de uma aberração; foram todos vítimas, inclusive Epstein, de uma conspiração: a conspiração da estupidez, da ignorância, do analfabetismo cinematográfico, dos preconceitos de um ofício que nunca olha para trás nem para a frente. Este filme estava demasiado acima de certas cabeças, era demasiado rico para certas mentes, demasiado pesado para certos estômagos, demasiado puro para certos corações e estas pessoas passaram palavra, ajudadas por imbecis que se pretendem inteligentes, dando ao filme uma tal reputação que todos os que o poderiam entender tiveram medo, por amor a Epstein, de o ver. (...)

Le Tempestaire, há que reconhecer, não é nem um filme de ontem nem um filme de hoje. O que impressiona é a sua profunda poesia, a sua ressonância humana e o extremo equilíbrio da sua composição. É uma obra que demonstra o que poderia ser o cinema se algumas pessoas não estivessem mortas, se outras não estivessem condenadas ao silêncio, se o Estado cumprisse a sua tradição, esquecesse os conselhos dos seus peritos, dos seus contabilistas, dos seus pensionistas, dos seus turiferários e se lembrasse que o sector nacional tem de ser bem gerido produzindo obras compensatórias mas também que os benefícios devem permitir o progresso do cinema.
Henri Langlois
Cahiers du Cinéma, nº24 - 1953
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011

DE NAEDE FAERGEN (Eles apanharam o Ferry) de Carl Th.Dreyer - 15.11.2011 - 19h30


O filme foi uma encomenda do governo dinamarquês, é um filme de segurança rodoviária, foi filmado por Dreyer cinco anos depois de Dia de Cólera e seis anos antes de Ordet (A Palavra), o seu próximo filme a ser exibido publicamente. (...) Dedicado quase exclusivamente à tensão e excitação de acelerar numa estrada paralela, é mais uma demonstração de que a arte de Dreyer, sobretudo elogiada pelas suas qualidades espirituais, reside de facto na sua realização concreta da experiência material. Apesar do seu fim efectivo admonitório, o objectivo geral deste curto filme é transmitir a excitação da velocidade junto com os seus perigos - um objecto-lição significante para todos os espectadores que identificam o realizador com a lentidão.
Jonathan Rosenbaum

TOUROU ET BITTI - Les Tambours d'Avant de Jean Rouch - 15.11.2011 - 19h30


(...) Tourou et Bitti é um film-transe, um plano sequência que, lenta, inexoravelmente, coloca os músicos em contacto com os espirítos.

Jean-Michel Arnold
um rio - duas margens
DocLisboa 2003

FREE RADICALS de Len Lye - 15.11.2011 - 19h30


Em Free Radicals, Lye seguiu a sua prática habitual de desenvolver um novo estilo de imagem, procurando depois uma música adequada, algo que encontrou num registo sonoro da tribo Bagirmi, gravado no local. Os Bagirmi encontram-se na África Ocidental e Central, na área que hoje se associa ao Chade. A música seleccionada por Lye é uma peça musical de dança tradicional que pode ser descrita em termos actuais como um funky com um ritmo quaternário, interpretado por um músico a agitar uma roca e por outro que toca num tambor. Como escreveu numa nota sobre dança e cinema, Lye apreciou a qualidade sibilante das "figuras breves, agudas e rítmicas" da percussão. O facto da peça ser repetitiva foi útil para conseguir sincronizar a música às suas imagens. As mudanças mais distintas na música surgiam com o canto vocal a seguir aos créditos de abertura e com uma passagem mais irregular de percussão sincopada. Lye construiu sequências visuais distintas à volta destas variações. Como era hábito, tinha a música impressa na banda de som óptico, já que isso o ajudava a compreender a estrutura da música e a detectar todas as mudanças subtis. (...)

Roger Horrocks
Free Radicals
in The Cinema of Australia and New Zealand

LE CAMION de Marguerite Duras - 15.11.2011 - 22h00


Foi na sua sala de  Neauphle-le-Château que Marguerite Duras decidiu contar a história da senhora do camião. Está em casa, a desempenhar portanto o seu próprio papel, o de Marguerite Duras, escritora que quer fazer um filme (...). À sua frente Gérard Depardieu interpreta Gérard Depardieu que seria o camionista do filme.  (...)

Música de câmara e música dos campos

De Duras a Depardieu, o texto oscila numa troca de frases curtas, de suspensões e de silêncios, de perguntas, respostas, frases repetidas em conjunto, é um dueto, a “Sonata a Kreutzer”, a de Bethoven é claro, as variações do segundo andamento para ser mais preciso. É a mesma conversa amável e um pouco insolente — pois Duras, sempre brincalhona, diverte-se com o seu papel de encenadora, com a sua diferença de idade e de estatuto, com o facto de ele ser homem e ela mulher. Ele, também, por momentos, diverte-se neste desafio. — todos os encontros o são ­­— um pouco apaixonado e muito respeitador, corrige-a e ambos concordam, interrogam-se, cedem-se a palavra como fazem o piano e o violino numa partitura e numa tonalidade muito iguais.(...)
Nesta obscuridade protectora, confrontam-se as sequências off. Off, porque saímos da câmara escura, estamos cá fora, a câmara mostra o camião ou a paisagem que ele atravessa; e também porque continuamos a ouvir o diálogo dentro da casa. Em contraste com o universo fechado e quente, opõe-se a luz fria do inverno, a triste paisagem dos arredores, as zonas comerciais, os campos nus. E, ao silêncio murmurado que reina na “câmara escura” responde uma música para piano, “As Variações Diabelli” de Beethoven. São três e aparecem com o camião. Acompanham-no quando ele desaparece na paisagem ou acompanham a paisagem, vista da cabina pelos olhos da senhora que anda à boleia.
Desde o primeiro plano do filme — o trinta e duas toneladas azul Saviem parado numa praça central —, o filme segue esta partitura binária, esta alternativa fora–dentro, obscuridade–luz, calor–frio, imobilidade­­­—movimento, em que se encontram a mulher e o homem, a encenadora à boleia e o actor camionista, um ao lado do outro, um pouco incongruentes, “díspares” diz Duras, e que têm como lugar comum ­— quer se trate da sala de Neauphle ou da cabina do camião — a clausura, o espaço fechado de onde se vê o mundo pela força das palavras no primeiro caso, pelos olhos da senhora, no segundo.(...)
Renaud Legrand
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011

14 de Novembro


IT'S ALWAYS FAIR WEATHER de Gene Kelly e Stanley Donen - 14.11.2011 - 21h30 - sessão de abertura


 It’s Always Fair Weather – o mais fabulosamente triste dos musicais de Donen e Kelly – é o fecho de uma das mais portentosas trilogias do musical americano, começada em On the Town e prossegui­da em Singin’in the Rain. (...) Para além dos três filmes assentarem na mesma estrutura (a do integrated dance musical), reparar-se-á que It’s Always... funciona como um receptáculo dos temas dos outros dois: o trio de ma­rinheiros de On The Town tem o competente paralelo nos três protagonistas mas­culinos daquele, enquanto a abordagem dos “media” iniciada por Singin’in The Rain dá agora lugar a uma pertinente incursão pelos territórios televisivos. (...)
Depois de 1955 e de It’s Always..., o musical não podia regressar à inocência de outrora, fosse por imperativos de “consciência” (estavam ultrapassados os tempos de simultâneo “escapismo” e “empenhamento” determinados pela conjuntura da II Guerra), fosse por imperativos orçamentais, de que a restrição sentida neste caso pelo “tandem” Donen­-Kelly é um bom exemplo. Nada podia ficar como dantes. (...)
M.S. Fonseca
in Folhas da Cinemateca

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Edição 2011: programação


CINEMATOGRAFIA - MUSICALIDADE 1


Se nas edições anteriores a ideia de coreografia não se reduzia às comédias musicais,  nem a teatralidade à representação do teatro ou á presença visível do teatro dentro do filme, trata-se agora de abordar a musicalidade como ela se revela na “mise en scène” dos filmes.
Isso leva-nos a abordar a musicalidade cinematográfica não apenas pela utilização que pode ser feita da música mas também, e sobretudo, pelo tratamento cinematográfico do tempo, quer seja pela montagem, o movimento, o contraponto imagem-som, as rupturas cronológicas,  o ritmo, o leitmotiv, a alternância das luzes, etc.
Desde os primórdios do cinema que os realizadores reinvindicaram uma forma cinematográfica mais próxima da musicalidade do que da narrativa. Foi o caso das “avant-garde” francesas e alemãs dos anos 20 que procuravam libertar o cinema das reproduções teatrais ou literárias. Desconstrução da narrativa pela fragmentação, o estilhaçar do tempo, a procura de um ritmo fora de um contexto narrativo. Com a chegada do cinema sonoro, a banda sonora, vai participar nisso muito fortemente: a relação entre ruídos e sons naturais, a textura das vozes, os silêncios…
Esta primeira edição dedicada ás relações cinematografia-musicalidade abre pistas que serão desenvolvidas nas próximas edições, daí a grande variedade de filmes propostos, desde os filmes mudos aos filmes contemporâneos, passando por filmes de animação, por filmes conhecidos ou desconhecidos.
Teremos a presença de Alberto Seixas Santos, Bernard Eisenschitz, Cyril Neyrat, Diogo Dória, João Pedro Rodrigues, João Rui Guerra da Mata, José Nascimento, José Manuel Costa, Luís Miguel Oliveira, Maria João Madeira, Pierre Léon, Renaud Legrand, Antonio Rodrigues, entre outros,  para participar nas conversas (informais) sobre estes filmes.
Esta programação foi concebida e coordenada por Pierre-Marie Goulet, Teresa Garcia e Ricardo Matos Cabo em conjunto com a Cinemateca Portuguesa e com a colaboração de Bernard Eisenschitz, Cyril Neyrat, Pierre Léon, Renaud Legrand, Marcos Uzal e Stéfani de Loppinot.
Um catálogo, que inclui textos inéditos dos participantes considerando esta perspectiva da musicalidade, acompanha (e prolonga) este ciclo.