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segunda-feira, 5 de novembro de 2012

PACHAMAMA - Nuestra Tierra, de Peter Nestler - 12.11.2012 - 19h00


(...) O filme é banhado por vários momentos musicais de uma intensidade [...] misteriosa, em que se adivinham relações subterrâneas. Regresso do tocador de harpa que ouvimos no início do filme e aparição do seu filho a tocar o ritmo no ventre do instrumento. A sua música já foi escutada duas vezes, é difícil de ter essa consciência, mas a perturbação desse reconhecimento está presente. Do mesmo modo, o plano sequência de uma festa de carnaval índia, a sua repartição em diferentes grupos no espaço, o seu lento movimento lateral anuncia o ritmo, a estrutura e o sentido da abertura musical que se segue: uma fanfarra africana em que tambores, flautas e címbalos ocidentais vão de par em par alegremente com trombetas feitas de abóboras e apitos de folha de laranjeira. O aspecto carnavalesco desta nova cena deve-se à mistura de instrumentos a priori incompatíveis, frutos da terra equatorial ou lembranças desusadas do colonialismo, e ainda para mais tocados por descendentes de escravos africanos - o canto do carnaval, “Lo tengo o no lo tengo”, de uma energia extraordinária, dito com vivacidade. Uma panorâmica parte da fanfarra, passa por um planalto deserto, deixa-nos ver ao fundo do plano cinco crianças que brincam em redor do fogo, antes de se reunir com o pequeno grupo de mulheres que dançam, cada uma com uma garrafa de vidro à cabeça. Ao longe, quase despercebidas, estendem-se as curvas de um rio. Para partir de Quito, é na realidade necessário ir por uma passagem de um pequeno canal aberto pela mão do homem, comparável aquele de Vidor em Our Daily Bread, para chegar então ao rio, descendo o seu curso pouco a pouco até ao rio, o Amazonas, antes de chegar ao Pacífico. Os cursos do rio acompanham Pachamama como a sua música, tornam-se cada vez mais presentes, amplos, mantendo-se discretos. O rio está por detrás do canto triste de um homem ainda jovem sentado numa piroga. Aquilo que canta em quéchua permanece misterioso, apenas persiste a sua figura melancólica, irrigando o plano seguinte em que vemos a passagem da bruma sobre o vulcão. Pachamama chega ao fim, aqui está de novo a harpa do homem velho e as suas notas iterativas e ligeiras como cursos de água, e percebemos finalmente que o filme se dirigia na sua totalidade para este plano final de uma serenidade miraculosa, abrindo uma brecha: esta melodia que escutámos várias vezes é tocada tradicionalmente quando morre uma criança. Não saberemos se acompanha um luto verdadeiro neste momento ou se se trata apenas de uma ideia da infância e da morte. O plano surge apesar disso como uma revelação, como a soma de tudo o que lhe precedeu, nascimento, vida e morte pegadas aos ramos das árvores, às roupas inchadas pelo vento, aos fardos de palha.(...)

Stéfani de Loppinot e Ricardo Matos Cabo
in Cinema 014 - automne 2007
Éditions Léo Scheer
retomado 
in catálogo "cinematografia - musicalidade 2"

sábado, 30 de outubro de 2010

THE RETURN OF FRANK JAMES de Fritz Lang - 05.11.2010 - 19h00

(...) Uma vez mais, para dividir a encenação especular (a de Frank) e a encenação fictícia (a dos Ford) Lang recorre à encenação espectacular. Neste caso não é o “filme dentro do filme”, mas a “peça dentro do filme”. Um dos momentos de antologia desta obra é a irrupção de Fonda pelo teatro onde Carradine e Tannen representam (ou seja, falseiam) a morte de Jesse, atribuindo-se o lugar dos heróis que não eram. O contracampo do palco com o camarote de Fonda (e com o olhar de Fonda) varre-os de cena, como depois se repetirá na morte de Charlie Ford e na fuga do tribunal de Bob Ford. Fonda é o espectador que sabe de mais e que, por isso, sobrepõe à mise-en-scène desarticulada, à má representação (a do teatro) a mise-en-scène articulada e a presença não representável. (...)
João Bénard da Costa
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

(...) Será que Frank James era um verdadeiro actor? No início do filme, quando fica a saber que os irmãos Ford não vão ser condenados pelo assassinato de Jesse, e que, além disso, vão ficar com parte da recompensa, Frank decide voltar a pegar em armas, mas fá-lo como o faria um actor já reformado que quisesse voltar ao palco. (...)
Mas é na cena final, a do julgamento, que a dimensão teatral do filme atinge o auge. Os verdadeiros julgamentos de Frank James desenrolaram-se, aliás, mais ou menos da mesma maneira. Houve muitos, no espaço de três anos, e todos eles tiveram um final feliz para Frank, com um júri sulista conquistado desde o início e, aparentemente, um humor geral bonacheirão, assemelhando-se mais a uma paródia de julgamento. No filme de Lang, é o Major Rufus Cobb (Henry Hull, muito cabotino e super maquilhado), o editor janota do jornal local, que está encarregado da defesa, não sem alguma apreensão: “I may be a mite rusty” confessa ele a Frank. Haverá um erro de casting? Ficamos imediatamente impressionados com o tom muito fordiano da cena do julgamento, e mais uma vez nos lembramos de A Grande Esperança (Young Mister Lincoln). (...)
Stéfani de Loppinot
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010
sessão com a presença de Bernard Eisenschitz

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

GREZY (SONHO) de Yevgueni Bauer - 02.11.2010 - 21h30 - sessão de abertura


(...) Será pouco dizer que a história de Grezy (Sonho) suscita uma certa estranheza inquietante quando hoje em dia o vemos. Sergei Nikolaevich, viúvo inconsolável, pensa ter visto a mulher tão amada, viva, ao virar de uma esquina. “Elena!” Sim, é mesmo ela, ou melhor, a sua reencarnação, uma outra que se parece muito com ela, uma outra um tudo ou nada vulgar - mais tarde percebemos que é uma actriz - mas quem sabe se, uma vez com as vestes da defunta, essa semelhança não seria perfeita? Deixamo-nos facilmente levar pelas recordações que nos assolam durante estes planos, um corpo resgatado na Baía de San Francisco, um velho cemitério, uma ruiva um pouco ordinária, um vestido verde, cabelos soltos... Como se Grezy, contrariando o tempo, reencenasse o guião de Vertigo (A Mulher que Viveu Duas Vezes). Tal não é possível no nosso pequeno mundo racional (como também não é possível essa morta voltar à vida), mas a vertigem que se sente nessas imagens fez o seu caminho, obcecando-nos para sempre. (...)

Stéfani de Loppinot
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010 

(...) Que coisa transforma um romancezito (...) (Bruges-la-morte, de Georges Rodenbach) numa obra-prima do cinema? Yevgeni Bauer, o maior realizador de cinema da era czarista e um dos maiores cineastas de sempre soube-o antes de muitos outros e com uma consciência lucidíssima: a encenação. Em Grezy, Bauer conta a sinistra história de um viúvo que julga reconhecer numa actriz a cópia exacta da sua mulher, acabando por assassiná-la num delírio fetichista: a encenação é toda ela um jogo entre diversos níveis de realidade misturados entre si - a visão, o pesadelo, o real - que dão vida a uma obra moderna e complexa (e estamos apenas em 1915!). Todo o filme poderia ser lido como uma visão onírica obsessiva: a estrutura é quase circular - abre e fecha com a morte daquela que parece ser a mesma mulher - e todo o filme se assemelha a um registo minucioso das alterações de uma mente cada vez mais ensombrada pela dor e pelo luto. Bauer mantém a câmara afastada das personagens - aqui não existem os seus extraordinários e inovadores primeiros planos - e cria uma série de tableaux vivants, que sublinhando mais ainda uma recitação dos actores já de si pesada e teatral, parecem tornar visível o estado de espírito cada vez mais angustiado do protagonista.(...)
Federico Rossin
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010 


quinta-feira, 5 de novembro de 2009

HELLER IN PINK TIGHTS (Agarrem essa Loira) de George Cukor - 10.11.2009


(...) Em Heller in Pink Tights, Cukor vai fazer surgir esse delicioso sentimento de perturbação e de maravilhoso ligado às práticas da ilusão, jogando sem cessar com a montagem e com os espaços. O teatro de Pierce, que acolhe a trupe de Healy em Cheyenne, é um magnífico exemplo disso: é impossível identificar a maneira como se interligam as suas diferentes partes sem visionar várias vezes as cenas em questão (como se faria para descobrir um truque de magia). Tudo é feito de cortes, ocultações, caixas cénicas ligadas umas às outras, que exigem, para compreender a sua lógica, um olhar atento e não contemplativo, o que é uma façanha perante o magnetismo animal de Sofia Loren, que parece sempre aparecer sem nunca desaparecer, imagem fixa (como se fala de ideia fixa) que capta todos os olhares. (...)
Stéfani de Loppinot
in catálogo "cinematografia – teatralidade 1"
Lisboa, Outubro de 2009