quinta-feira, 28 de outubro de 2010

GREZY (SONHO) de Yevgueni Bauer - 02.11.2010 - 21h30 - sessão de abertura


(...) Será pouco dizer que a história de Grezy (Sonho) suscita uma certa estranheza inquietante quando hoje em dia o vemos. Sergei Nikolaevich, viúvo inconsolável, pensa ter visto a mulher tão amada, viva, ao virar de uma esquina. “Elena!” Sim, é mesmo ela, ou melhor, a sua reencarnação, uma outra que se parece muito com ela, uma outra um tudo ou nada vulgar - mais tarde percebemos que é uma actriz - mas quem sabe se, uma vez com as vestes da defunta, essa semelhança não seria perfeita? Deixamo-nos facilmente levar pelas recordações que nos assolam durante estes planos, um corpo resgatado na Baía de San Francisco, um velho cemitério, uma ruiva um pouco ordinária, um vestido verde, cabelos soltos... Como se Grezy, contrariando o tempo, reencenasse o guião de Vertigo (A Mulher que Viveu Duas Vezes). Tal não é possível no nosso pequeno mundo racional (como também não é possível essa morta voltar à vida), mas a vertigem que se sente nessas imagens fez o seu caminho, obcecando-nos para sempre. (...)

Stéfani de Loppinot
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010 

(...) Que coisa transforma um romancezito (...) (Bruges-la-morte, de Georges Rodenbach) numa obra-prima do cinema? Yevgeni Bauer, o maior realizador de cinema da era czarista e um dos maiores cineastas de sempre soube-o antes de muitos outros e com uma consciência lucidíssima: a encenação. Em Grezy, Bauer conta a sinistra história de um viúvo que julga reconhecer numa actriz a cópia exacta da sua mulher, acabando por assassiná-la num delírio fetichista: a encenação é toda ela um jogo entre diversos níveis de realidade misturados entre si - a visão, o pesadelo, o real - que dão vida a uma obra moderna e complexa (e estamos apenas em 1915!). Todo o filme poderia ser lido como uma visão onírica obsessiva: a estrutura é quase circular - abre e fecha com a morte daquela que parece ser a mesma mulher - e todo o filme se assemelha a um registo minucioso das alterações de uma mente cada vez mais ensombrada pela dor e pelo luto. Bauer mantém a câmara afastada das personagens - aqui não existem os seus extraordinários e inovadores primeiros planos - e cria uma série de tableaux vivants, que sublinhando mais ainda uma recitação dos actores já de si pesada e teatral, parecem tornar visível o estado de espírito cada vez mais angustiado do protagonista.(...)
Federico Rossin
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010