Mostrar mensagens com a etiqueta cinematografia-teatralidade 2. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta cinematografia-teatralidade 2. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

THE PUPPETMASTER de Hou Hsiao-Hsien - 11.11.2010 - 21h30


Quando a Culturgest me deu a possibilidade de organizar um ciclo de cinema, não tive a menor hesitação nas premissas da escolha: a Trilogia de Taiwan de Hou-Hsiao Hsien, constituída por A City of Sadness, The Puppet Master e Good Men, Good Women, um lapso maior no conhecimento concreto do cinema contemporâneo em Portugal.
São muito raros os exemplos equiparáveis de um gesto cinematográfico de tal risco e desmesura. (...)
O "tradicionalismo radical" de Hou-Hsiao Hsien [...], ou a sua radical alteridade do ponto de vista do nosso olhar ocidental, suscitam afinal questões que não podemos deixar de considerar como das mais importantes a uma problematização do espaço-tempo cinematográfico afinal de uma absoluta modernidade: o plano-sequência e a "imagem-tempo" na consideração de Deleuze, o olhar do autor e o olhar das personagens, os traçados e percursos internos ao plano, os temps de apreensão. (...)
Augusto M.Seabra
in 3xHHH
ciclo na Culturgest, Maio de 2007
(catálogo em pdf aqui)
sessão com a presença de Augusto M. Seabra

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

LES YEUX SANS VISAGE de Georges Franju - 11.11.2010 - 19h30


(... ) O que paira sobre o cinema de Franju é a sombra de Louis Feuillade, em especial a capacidade de um e outro transfigurarem a imagem “real” numa outra de cariz fantástico sem a intrusão de elementos estranhos (recorde-se o fabuloso Les Vampires), apoiando-se apenas na criação de uma atmosfera especial com recurso aos artifícios da iluminação. O cinema de Franju é um cinema de “luz”, por muito pleonástica que pareça a afirmação. A luz é, mais do que um “personagem”, o elemento criador da tensão e do drama, e não deixa de ser curioso que o filme seguinte a Les Yeux Sans Visage tenha exactamente o título de Pleins Feux sur L' Assassin, sendo os “pleins feux” os holofotes, e o motor dramático da acção. A Feuillade vai Franju buscar, também, as características folhetinescas dos seus filmes, quando não os próprios argumentos: Judex, de 1963 não é uma nova versão do filme-folhetim de Feuillade, mas antes uma incursão na mesma atmosfera vaga e onírica, de onde a poesia irrompe da forma mais inesperada: a sequência das pombas em Judex retoma outra, bem mais conseguida e bela que vemos no fim de Les Yeux. É este clima que banha todo o filme que faz dele a melhor obra de Franju, ao lado da sua primeira longa metragem: La Tête Contre les Murs. (...)
Manuel Cintra Ferreira
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

10 DE NOVEMBRO

VERTIGES de Christine Laurent - 10.11.2010 - 21h30


Vertiges é o segundo filme de Christine Laurent. Um grupo de teatro ensaia As Bodas de Fígaro. Há quanto tempo não víamos uma coisa tão sensível e tão rigorosa acerca do canto, do teatro e da “paixão de ser outro”? Há séculos, pelo menos.(...)
Há mais respeito pela ópera (o respeito deslumbrado de uma criança que cresceu nos bastidores) neste filmezinho ambicioso do que no Don Giovanni de Losey e no Carmen de Rosi juntos. Aqui, não se faz nenhuma releitura, deixa-se Mozart e a luta de classes no seu lugar (muito desconstruídos), e o que se faz é unicamente acompanhar os cantores. Não do palco até à cidade (ideia compensadora, mas vulgar), nem sequer do palco até aos bastidores (ideia fácil, mas curta), mas decididamente da voz até ao silêncio. Porque, quando a voz já não é portadora, por muito que o corpo se agite, balbucie, grite, entra num estado de silêncio.(...)
Serge Daney
Libération, 11 de Novembro de 1985
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010


O Vertiges começa e acaba num teatro. Mas a teia do teatro Garcia de Resende de Évora transforma-se logo no primeiro e lindíssimo plano do filme no imenso céu estrelado que é afinal o céu da noite de todos os amores, todos os encontros, todos os desenganos e todos os reencontros do último acto das Bodas de Fígaro com que acaba também o filme: “Ah tutti contenti saremo cosí. Corriam tutti a festeggiar! Questo giorno di tormento di capriccio e di folia, in contenti e in allegria solo amor puo terminar.” Julgo que é assim que a Christine sonha a vida: um abismo, tão vasto como profundo, céu quando olhamos para cima, e se olharmos para baixo, escuro como o mar, à noite, muito fundo. Mas o mundo é para ela como um palácio. O mundo é um lugar onde se ouve cantar. O Garcia de Resende (e não será por acaso que a parede do fundo desse palco é feita de vários andares de camarins e escadas, muitas escadas) torna-se no Palácio de Águas Frescas de Sevilha onde se passam as Bodas. Até nisso o Vertiges é para mim fundador. O Teatro é um Palácio. E o Palácio um teatro. Um Palácio ( “parce que c'est beau” ) é o lugar, um mundo, capaz de transformar em grupo, reunir ou fazer coabitar, as pessoas mais diferentes, nas suas diferentes classes sociais, nas suas histórias passadas. Um Palácio porque o momento romanesco que transforma em encontro a solidão de cada um, o merece. Merece-o cada um de nós, merece-o o grupo. E são histórias de grupos o que nos vários filmes a Christine tem filmado. Grupos que se fazem ou desfazem mas que alguém ou alguma coisa faz viver em comum.
Luís Miguel Cintra
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

sessão com a presença de Christine Laurent, Luís Miguel Cintra, Acácio de Almeida

KOMAL GANDHAR (Mi Bemol) de Ritwik Gathak - 10.11.2010 - 19h00

 
(...) Para o final, deixei o tema do teatro, na primeira explícita incursão de Ghatak no mundo da representação dentro do mundo dos sinais. Se é possível que neste filme, a vontade humana se sobreponha ao ciclo cultural e natural, é porque todos participam desse mundo “de ilusão” em que as sombras antecipam os corpos e sobre eles predominam. (...)  O teatro (com o uso de uma encenação cinematográfica) é apenas o outro acorde, sonante e dissonante, da música off que percorre o filme. Quase se poderia dizer que o teatro funciona contrapolarmente à música e aos espaços exteriores, como o lugar do luto e da divisão. Mas, sendo também um espaço mítico (espelho invertido da mesma realidade) permite (sequência das máscaras) que os ritmos se reassumam como ritmos de renovação e que, através deles, se faça, igualmente, o percurso libertador. “Mesmo o céu está cheio de fumo”, diz-se no início. É esse bafo obscurecedor que é progressivamente eliminado e iluminado, até que um criador egocêntrico (Bhrigu) seja tocado pelo que, em termos nossos, chamaríamos a Graça. (...)
João Bénard da Costa
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

9 DE NOVEMBRO

domingo, 7 de novembro de 2010

CÉLINE ET JULIE VONT EN BATEAU de Jacques Rivette - 09.11.2010 - 22h00


Jacques Rivette é, entre os representantes da Nouvelle Vague, aquele cuja obra tem tido menos divulgação entre o público. (...) Desta primeira fase da sua obra, Céline et Julie Vont en Bateau pode considerar-se o mais legível dos seus filmes, numa história que mistura golpes de teatro rocambolescos à maneira dos primitivos filmes de episódios de Louis Feuillade, os gags de Max Linder e os melodramas de mistério. Céline e Julie “vont en bateau” à deriva pelos primitivos tempos do cinema. E Rivette, ao leme, não tem por preocupação a análise ou reflexão sobre esse cinema. Como toda a deriva não tem um fim em si, limita-se ao prazer de contemplar e, sempre que possível, participar, rever, voltar ao princípio num percurso circular. A legenda que repetidamente surge e que divide os sucessivos episódios (“Mais le lendemain matin...”) serve mais para sublinhar essa circularidade do que para fazer progredir a acção, se assim se pode chamar a esta intricada rede de referências.
Céline et Julie Vont en Bateau concretamente o que representa? É um filme fantástico? De suspense? Uma farsa? Um melodrama? (...)  Será, antes de mais, um jogo de ilusões e, portanto, de magia. (...)
Manuel Cintra Ferreira
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010



Aos olhos dos esforços outrora empreendidos por Tzetan Todorov para distinguir o fantástico e o maravilhoso, o filme de Jacques Rivette, que vai buscar, ao mesmo tempo, o nonsense maravilhoso de Lewis Carroll, a inquietante estranheza de um Henry James, o folhetim popular cinematográfico de Louis Feuillade e o fantástico de Adolfo Bioy Casares, para apenas citar estes, deveria surgir como um puro escândalo de “inclassificabilidade”. (...)
Teatro, sonho, magia, feitiçaria, substâncias alucinogénicas, cabaret, efabulação, imposturas, brincadeiras de crianças (1-2-3 macaquinho do chinês), jogo de palavras, jogo do espelho e muitos mais: todas as formas possíveis e imagináveis da efabulação que se podem encontrar em Céline et Julie vont en Bateau. Tudo isto como que saído da maravilhosa tralha de uma velha arca de brinquedos (...)
Emmanuel Siety
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

A NIGHT AT THE OPERA de Sam Wood - 09.11.2010 - 19h30


(...) De novo, Groucho tem pela frente Margaret Dumont - elemento indispensável do universo dos Marx - que aqui é a rica milionária, Mrs. Claypool. E, quase logo no início do filme, no jantar do restaurante de Milão, há entre ela e Groucho Marx um dos mais antológicos diálogos “marxistas”. Perante os ciúmes da milionária, Groucho explica-lhe que, se estava a jantar com a jovem loura, é porque a loura lhe lembrava a velha gorda. E, num crescendo de delírio contínua: “That's why I'm sitting here with you. Because you remind me of you. Your eyes, your throat, your lips... everything reminds me of you. Except you. How do you account for that?”. (...)
Talvez que os Irmãos não tenham tido a plena consciência de tudo quanto estavam a pôr em causa, mas quando Harpo faz cair por detrás da Cigana Azucena, no “Stride La Vampe” os mais diversos cenários, provocando as duplas gargalhadas - dos espectadores do filme e dos espectadores no filme - o que os Irmãos estão a destruir é o cenário da mais absoluta ilusão inventada pelo homem. A ilusão artística, sobre a qual também eles - Marx - assentam e da qual também vivem. (...)
João Bénard da Costa
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

THE PLAYHOUSE de Buster Keaton - 09.11.2010 - 19h30


Minnelli ter-se-á lembrado, na sequência onírica de Um Americano em Paris, em que Oscar Levant cria para si próprio um espectáculo musical, sendo ao mesmo tempo instrumentista, maestro e público, da extraordinária abertura de Playhouse
De facto, temos aí um Keaton em múltiplos exemplares a dirigir a orquestra, a serrar um contrabaixo, a pôr óleo num trombone, e, maquinista de cena, a levantar a cortina sobre ele próprio multiplicado por oito, enquanto os espectadores nos balcões (casal de idosos, rapazinho vestido de marujo, etc., todos com a cara de Keaton) abrem um programa e se espantam por aquele Keaton ter, decididamente, reservado para si a parte do leão no espectáculo. (...)
Jean-André Fieschi
Cahiers du Cinéma, nº130, Abril de 1962
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

8 DE NOVEMBRO

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

DITES-MOI QUELQUE CHOSE de Philippe Lafosse - 08.11.2010 - 21h30


Dites-moi quelque chose é uma montagem de conversas entre Jean-Marie Straub e o público do Reflet Médicis, em Paris, gravadas por ocasião da retrospectiva integral organizada por Lafosse, a um ritmo de uma sessão todas as terças-feiras, durante quatro meses, de Novembro de 2007 a Março de 2008. O talento natural de Straub para a comédia está já patente em Où git votre sourire enfoui?, o filme de Pedro Costa sobre a montagem de Sicilia!. Dites-moi quelque chose confirma as disposições e o gosto de Jean-Marie Straub em relação ao teatro. Mas, entretanto, a comédia perdeu uma das suas principais personagens: Danièle Huillet morreu em Outubro de 2006. (...)
O que impressiona, todavia, [...] na visão do filme [...], é a seriedade com que Straub considera cada pergunta. Se por vezes se exalta, se a conversa se transforma em espectáculo, é, sobretudo porque ele não deixa passar nada, porque cada comentário, cada expressão do público são analisados e suscitam respostas à medida do seu conteúdo. Todas as perguntas são iguais em direito, diz constantemente Straub. Esta igualdade significa que o cineasta será implacável, que se aplicará tanto a dinamitar a estupidez quanto a prolongar a inteligência, que bastará uma palavra para o deixar furioso - “mainmise” (dominação), por exemplo. Assim Straub converte em teatro o habitual debate cinéfilo e a moleza aproximativa da animação cultural: um espaço de ressonância da palavra, o palco conflitual onde se constitui uma comunidade. (...)
Cyril Neyrat
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

CORNEILLE-BRECHT e O SOMMA LUCE de Jean-Marie Straub - 08.11.2010 - 19h00


(...) Ver, escutar os ruídos da cidade, vozes como um apoio, uma irrigação, um rumor, Cornelia Geiser de pé em Camila a Romana primeiro, a dizer em dezoito versos o ódio que sente pelo seu país depois de Curiacio, seu amante, pertencente ao campo inimigo, ter sido morto pelo próprio irmão; depois, quarenta anos exactamente após o magnífico Othon, dizendo como um dardo que pica, catorze versos dessa peça soberanamente novos. Que são como estalidos, como agulhas na lã.
Ver, ouvir Brecht orquestrado como uma audaciosa música contemporânea - interpretada por Cornelia, sentada agora e tocando todos os instrumentos de cordas - e arquitectado pelos seis planos de Jean-Marie Straub, seis toques de percussões. (...)
Ouvir Giorgio Passerone, impaciente e cuja respiração material se apodera de uma nova tradução de Dante para lançar flechas lentas em direcção a um alvo em movimento, deslumbrante de substância.(...)
Corneille/Brecht, O Somma Luce: dois filmes que, tornando alguns textos estrangeiros e estranhos, arrancando-os, através do trabalho dos recitantes e através da realização, ao próximo demasiado próximo, dão, pois, a ver e a ouvir como raramente se vê e se ouve no cinema. Objectos únicos. E interligados - entre si e com aqueles outros objectos únicos que são os filmes de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub desde 1962, por muito diferentes uns dos outros que sejam, tal como Othon (1969) é diferente de La Mort d'Empédocle (1986). (...)
Philippe Lafosse
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

DIE MARQUISE VON O... de Eric Rohmer - 06.11.2010 - 19h00

Ele parte para Nápoles e “se voltar de Nápoles e se, daqui até lá, as informações recebidas acerca dele não desmentirem a impressão geral que te causou, como poderias, se ele voltasse a apresentar o seu pedido, declarar-te?” Acabámos de viver um episódio da guerra durante a epopeia napoleónica, a História desenrola-se diante dos nossos olhos. O conde F..., oficial do exército russo que ataca M..., cidade da Alta Itália, salva a filha do governador de ser violada. Os culpados são fuzilados. Depois de ter sido dado por morto em combate, o conde aparece ao governador e quer saber, antes de ser enviado de regresso a Nápoles, se pode aspirar à mão da marquesa.
    Heinrich von Kleist, com esta pergunta da mulher do coronel à filha - “como declarar-te?” - adensa ainda mais o enigma. Quem pensa o quê? Quais são os sentimentos íntimos da marquesa para com o seu salvador “surgido como um anjo do céu”?
    A escrita de Kleist, quase desinteressada ou distraída (como se o texto se tivesse enredado no fumo espesso dos combates do início do filme) e a estrutura da narrativa fazem lembrar mais uma peça de teatro: instala-se o cenário, descreve-se as atitudes das personagens, os diálogos sucedem-se. Tensão, oposição, golpe de teatro e mudança de acto. (...)
Tanto o romance como o filme tiram partido de um ambiente perturbador para chegar a algo de anti-sentimental. As personagens agem, movem-se com paixão e, ao mesmo tempo, têm o sentido do dever, da honra, uma vontade de contenção. (...)
Philippe Fauvel
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

SILVESTRE de João César Monteiro - 06.11.2010 - 15h30


Silvestre, um filme, um coração de fogo; arde apaixonadamente - substância e matriz -
da sua própria energia; sem defesa, transtorna-se, reaparece, renasce consciente da sua relatividade,
humaniza-se em suma, como as matérias - teatro e vida - de que é tecido.

Dos desertos do amor à solidão das estrelas, a travessia árdua,
dolorosa e desordenada de todos os sonhos rebeldes ;
 porque é pelo frio que subimos, ou, muito simplesmente, we can't go home again,
como diziam os nossos amigos que agora descansam.

(...)
João César Monteiro

domingo, 31 de outubro de 2010

ANATOMY OF A MURDER de Otto Preminger - 06.11.2010 - 21h30


(...) Quem impede a rotina, quem perturba verdadeiramente os hábitos, é Biegler-Stewart, o advogado mais indisciplinado que se possa imaginar, como exclama, irritado, o seu adversário. Capaz de sentar-se ao lado de Duke Ellington e de improvisar um duo com ele, Biegler aborda a sua defesa como se fosse uma partitura de jazz: conhece as regras melhor do que ninguém e por isso mesmo sabe contorná-las, passa constantemente do tom formal ao pessoal, joga com o público, cuja simpatia ou distância sabe pressentir e, sobretudo, conhece o timing, o momento exacto para intervir ou abster-se e até dar a impressão de que está a agir contra a causa que defende.(...)
Entre os actores, há um que se destaca dos demais, sobretudo porque não tem interesses a defender, nem diante da câmara nem por detrás dela. É verdade que quem triunfa no filme é Biegler-Stewart, mas fá-lo diante do olhar divertido e indulgente do juiz Weaver (que substitui o habitual juiz do condado), por vezes quase sob a sua direcção. Isto não se dá por acaso, pois o personagem do juiz deve muito ao seu intérprete. Quem é Joseph N. Welch? Um advogado que não deixou passar a primeira oportunidade de ser juiz que teve na vida, embora para o cinema. (...)
Na Primavera de 1954, uma série de audiências no Senado americano opôs os representantes das Forças Armadas americanas (inclusive o próprio Secretário de Defesa) a Joseph R. McCarthy (...).
O aspecto excepcional do acontecimento fez com que as audiências não apenas fossem públicas, como é a regra, mas fossem transmitidas em directo pela televisão nacional. Os Estados Unidos apaixonaram-se por esta batalha, cuja audiência foi superior à dos grandes acontecimentos desportivos.
Alguns dos golpes mais duros contra McCarthy foram desferidos por um advogado de Boston que aconselhava as Forças Armadas, “in the guise of a simple trial lawyer”: Joseph N. Welch. (...)
Preminger não se limitará a utilizar Welch como actor e a dar a James Stewart o seu ar bonacheirão e as suas astúcias.(...)
Bernard Eisenschitz
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

POINT OF ORDER de Emile de Antonio - 06.11.2010 - 19h30


Point of Order, primeiro filme de Emile de Antonio, (...)  é ao mesmo tempo um extraordinário documento histórico e um extraordinário momento da arte do filme de montagem. E também é um grande momento de teatro, pois não há nada que mais se pareça a uma representação teatral do que uma audiência num tribunal, a tal ponto que na vertente do cinema que deriva directamente do teatro há um abundante subgénero, o filme de tribunal, que os americanos designam, muito apropriadamente drama de tribunal (courtroom drama, a palavra drama designando aqui uma peça de teatro). As audiências de uma comissão parlamentar que vemos em Point of Order, o chamado caso Exército versus McCarthy, seguem todos os procedimentos de uma audiência em tribunal: réu, defesa, testemunhas, juízes. (...)
Point of Order é sem a menor dúvida um dos grandes courtroom dramas de sempre, de tal maneira os elementos narrativos se acumulam pouco a pouco e a balança passa a pender de um lado para o outro. Diante destes documentos históricos, temos por vezes a impressão de assistirmos a uma ficção brilhantemente elaborada: apresentação inicial dos elementos, crescendo dramático, ponto culminante e o desenlace em que a culpabilidade do réu é provada. Tudo isto se encadeia com uma alternância de tensões e distensões, através das diversas técnicas de desestabilização do adversário que cada um dos personagens tenta: ironia, falsa indignação, manobras de diversão, mentira deslavada. (...)
Antonio Rodrigues
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010


De Antonio conhece as teorias de Eisenstein e as diversas concepções da montagem. Mas também é um cineasta americano, formado pelas comédias que vira na juventude, consciente do poder de subversão de Laurel e Hardy, dos Marx Brothers ou de W. C. Fields, cujo It's a Gift considerava como uma das melhores análises do capitalismo americano. Contrariamente aos seus amigos do New American Cinema (o underground nova-iorquino), ele conhecia a força da dramaturgia e das personagens no cinema. Em Point of Order, McCarthy lembra às vezes Fields ou um outro actor irlandês, Pat O'Brien (que se pôs a chorar, sozinho, num bar, na noite em que o senador morreu). Welch já tem a magnífica presença que terá no filme de Preminger. [Anatomy of o Murder]. Com a cabeça apoiada na mão fechada, à altura do queixo ou sobre o rosto, com os óculos na ponta dos dedos, ele é a imagem de alguém que ouve de modo algo distraído, mas não deixa passar nenhuma oportunidade de marcar pontos contra McCarthy.
Bernard Eisenschitz
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

L'AFFAIRE DREYFUS de Georges Méliès - 06.11.2010 - 19h30


(...) Como se sabe, o caso Dreyfus dividiu a França em dois campos opostos e furiosamente irreconciliáveis, os que diziam que Dreyfus tinha sido vítima de uma conspiração e os que insistiam em dizer que era culpado. Quando o filme foi lançado, as paixões desencadeadas pelo caso estavam no auge e houve violentas refregas nos cinemas, fazendo com que L'Affaire Dreyfus fosse retirado de cartaz, no que talvez tenha sido o primeiro caso de censura na história do cinema. Dreyfusard convicto, Mélies faz o papel de Fernand Labori, o advogado de Émile Zola (que tomara a defesa do capitão num artigo célebre e violento, intitulado “Acuso” "J'accuse") e de Dreyfus, no segundo processo, em Rennes.
O filme reconstitui todas as etapas do caso e é dividido em treze capítulos que são verdadeiros actos de uma peça.(...)
Antonio Rodrigues
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

4 e 5 de Novembro

sábado, 30 de outubro de 2010

THE RETURN OF FRANK JAMES de Fritz Lang - 05.11.2010 - 19h00

(...) Uma vez mais, para dividir a encenação especular (a de Frank) e a encenação fictícia (a dos Ford) Lang recorre à encenação espectacular. Neste caso não é o “filme dentro do filme”, mas a “peça dentro do filme”. Um dos momentos de antologia desta obra é a irrupção de Fonda pelo teatro onde Carradine e Tannen representam (ou seja, falseiam) a morte de Jesse, atribuindo-se o lugar dos heróis que não eram. O contracampo do palco com o camarote de Fonda (e com o olhar de Fonda) varre-os de cena, como depois se repetirá na morte de Charlie Ford e na fuga do tribunal de Bob Ford. Fonda é o espectador que sabe de mais e que, por isso, sobrepõe à mise-en-scène desarticulada, à má representação (a do teatro) a mise-en-scène articulada e a presença não representável. (...)
João Bénard da Costa
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

(...) Será que Frank James era um verdadeiro actor? No início do filme, quando fica a saber que os irmãos Ford não vão ser condenados pelo assassinato de Jesse, e que, além disso, vão ficar com parte da recompensa, Frank decide voltar a pegar em armas, mas fá-lo como o faria um actor já reformado que quisesse voltar ao palco. (...)
Mas é na cena final, a do julgamento, que a dimensão teatral do filme atinge o auge. Os verdadeiros julgamentos de Frank James desenrolaram-se, aliás, mais ou menos da mesma maneira. Houve muitos, no espaço de três anos, e todos eles tiveram um final feliz para Frank, com um júri sulista conquistado desde o início e, aparentemente, um humor geral bonacheirão, assemelhando-se mais a uma paródia de julgamento. No filme de Lang, é o Major Rufus Cobb (Henry Hull, muito cabotino e super maquilhado), o editor janota do jornal local, que está encarregado da defesa, não sem alguma apreensão: “I may be a mite rusty” confessa ele a Frank. Haverá um erro de casting? Ficamos imediatamente impressionados com o tom muito fordiano da cena do julgamento, e mais uma vez nos lembramos de A Grande Esperança (Young Mister Lincoln). (...)
Stéfani de Loppinot
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010
sessão com a presença de Bernard Eisenschitz

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

BIETTE de Pierre Léon - 04.11.2010 - 21h30 - 1ª exibição pública


Foi a Christine Laurent, como ela conta no filme do Pierre Léon, que trouxe à Cornucópia o Biette. Ela saberá porquê. Mas julgo que acertou. E quando ela me mandou o Pierre Léon que me pedia para ler em francês o monólogo que o Biette acrescentara em Lisboa ao seu projecto de filme e nosso Barba-Azul, e que eu próprio traduzira, senti a responsabilidade de um momento grave, como o Pierre Léon, aliás, mostra no filme. Eu estava a renovar uma espécie de baptismo. E era como se a este seu amigo, o tivesse conhecido sempre. E ao ver o seu filme sobre o Biette ficou mais que claro que através do Barba-Azul e sem ter de pensar muito nisso (tudo no convívio com o Biette, segundo me lembro, era também assim, como se nada fosse) tinha passado a fazer parte de uma espécie de irmandade. Pobre. É disso, a meu ver, que nos fala o filme onde vão desfilando pessoas tão diferentes mas com alguém em comum que dá nome ao filme e de certo modo as transforma e quase não aparece. E lá longe, como também se percebe no filme, um santo que juraria que nos será comum: Pasolini. Seremos todos Franciscanos? Não é isso. Mas todos teremos amado o fradinho de Rossellini. (...)
Luis Miguel Cintra
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010



(...) Tratando-se de um retrato, o caso é atípico na obra de Pierre Léon, de que conhecemos as adaptações de Dostoievski ou Tchekhov, as “féeries civiles” (termo roubado), as viagens à Rússia de personagens em improviso. O que se mantém, aqui em ligação directa com o fulcro do filme, é esse espírito de trupe, uma produção entre amigos e colaboradores recorrentes construída à volta de um núcleo de amigos. Em Biette, são chamados a intervir nesse exacto papel e Pierre Léon, fora e dentro de campo, é um deles, lugar que assume, de partida. O arranque do filme tem lugar numa sala de teatro em atmosfera de ensaios, onde no fim voltamos, para assistir à interpretação da cena da floresta de Barbe-Bleue, de Biette, por Françoise Lebrun (actriz de um primeiro Biette, Pornoscopie, no fim deste filme Barbe-Bleue), Pascal Cervo (actor do último filme de Biette, Saltimbank, aí chegados o mensageiro) e Léon (que no fim do seu filme toma a pele de Mathieu), três personagens alumiadas por uma candeia à procura de um autor no escuro de uma sala, entre as cadeiras de uma plateia nesse momento tornada palco. (...)
Maria João Madeira
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

sessão com a presença de Pierre Léon, Christine Laurent, Maria João Madeira, Marcos Uzal