sexta-feira, 5 de novembro de 2010

CORNEILLE-BRECHT e O SOMMA LUCE de Jean-Marie Straub - 08.11.2010 - 19h00


(...) Ver, escutar os ruídos da cidade, vozes como um apoio, uma irrigação, um rumor, Cornelia Geiser de pé em Camila a Romana primeiro, a dizer em dezoito versos o ódio que sente pelo seu país depois de Curiacio, seu amante, pertencente ao campo inimigo, ter sido morto pelo próprio irmão; depois, quarenta anos exactamente após o magnífico Othon, dizendo como um dardo que pica, catorze versos dessa peça soberanamente novos. Que são como estalidos, como agulhas na lã.
Ver, ouvir Brecht orquestrado como uma audaciosa música contemporânea - interpretada por Cornelia, sentada agora e tocando todos os instrumentos de cordas - e arquitectado pelos seis planos de Jean-Marie Straub, seis toques de percussões. (...)
Ouvir Giorgio Passerone, impaciente e cuja respiração material se apodera de uma nova tradução de Dante para lançar flechas lentas em direcção a um alvo em movimento, deslumbrante de substância.(...)
Corneille/Brecht, O Somma Luce: dois filmes que, tornando alguns textos estrangeiros e estranhos, arrancando-os, através do trabalho dos recitantes e através da realização, ao próximo demasiado próximo, dão, pois, a ver e a ouvir como raramente se vê e se ouve no cinema. Objectos únicos. E interligados - entre si e com aqueles outros objectos únicos que são os filmes de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub desde 1962, por muito diferentes uns dos outros que sejam, tal como Othon (1969) é diferente de La Mort d'Empédocle (1986). (...)
Philippe Lafosse
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010