quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Bernard Eisenschitz apresenta Remains de Pierre Léon e encerra a edição 2014


Bernard Eisenschitz apresenta "Remains" de Pierre Léon
from O Cinema a volta de cinco artes on Vimeo.

Bernard Eisenschitz apresenta Remains de Pierre Léon na Cinemateca Portuguesa no âmbito do ciclo de cinema do Festival Temps d'Images  "O Cinema à volta de cinco Artes -cinco Artes à volta do Cinema", na quarta-feira 12 de Novembro de 2014 e encerra a edição dedicada ao tema "cinematografia-cinematografia 2". ©Cinemateca Portuguesa-Temps d'Images 


terça-feira, 11 de novembro de 2014

Sessaão de encerramento - 12.11.2014 - 19h00


LA FABRIQUE DE CONTE D'ÉTÉ de Jean-André Fieschi e Françoise Etchegaray - 11.11.2014 - 22h00


(...) "La Fabrique de Conte d'Eté" " é constituído por imagens filmadas em Hi8 por Françoise Etchegaray durante a rodagem de "Conte d'Été / Conto de Verão", por algumas cenas colhidas do filme e rushes no seu estado bruto. Ao evidenciar ligações, rupturas, confusões entre o filme e a sua rodagem, a montagem de Jean-André Fieschi (ajudado por Martine Bouquin) mostra, admiravelmente, como Rohmer consegue tecer o seu cenário neste “vestido sem costuras da realidade”, como dizia André Bazin. Basta que a rodagem seja feita de longe para nos ser difícil distinguir os momentos em que a desordem da vida dá lugar à encenação. Desde o início é perturbante constatar que o que pensávamos ser a chegada de Melvil Poupaud a Dinard é, afinal, o desembarque da sua personagem. Mais tarde, durante a filmagem na praia, a actividade da equipa do filme confunde-se com a dos veraneantes, ao ponto destes não se aperceberem de que também são figurantes. (...)

Cada plano de Rohmer surge aqui na sua beleza evidente, talvez melhor do que no filme que é constituído pela sua soma. A montagem de Fieschi, longe de se contentar com um didatismo sistemático, encadeando as etapas da "Fabrique" com o resultado obtido, sublinha a separação entre a beleza dos planos e a confusão aparente da sua filmagem, uma décalage que não se pode explicar apenas pela mudança de suporte. É este o segredo de Rohmer: o conseguir entrelaçar deste modo as palavras e os corpos com a luz e as cores do mundo.

Marcos Uzal
in Cinema 011
ed. Léo Scheer

RAINBOW DANCE de Len Lye - 11.11.2014 - 19h30


(...) “A seguinte encomenda de Lye, Rainbow Dance foi-lhe arranjada por Grierson. Nas palavras de Lye: “Tentei interessar-me por todas as encomendas do GPO fazendo algo que não tinha ainda sido feito tecnicamente em cinema.” O seu produtor, Cavalcanti entusiasmava-se sempre com esta abordagem: “Len Lye pode ser descrito na história do cinema Britânico por uma palavra – experiência. A experiência mais fantástica foi com a cor. Mas o ritmo vem logo a seguir, bem como os ângulos da câmara e uma forma muito pessoal de explorar a expressão fílmica pura.” Rainbow Dance nasceu do interesse de Lye nos novos processo de separação de cor como o Gasparcolor. Dividindo a imagem em três negativos intermédios (usando filtros de cor) e recombinando-os para produzir uma cópia positiva era ainda um processo complexo, mas permitia um maior controle do produto final permitindo fazer afinações. O realizador também estava intrigado pelo facto dos três negativos intermédios serem a preto e branco, apesar de cada um representar uma área diferente da cor. Ocorreu-lhe que qualquer material a preto e branco podia alimentar este sistema e ser convertido em cores. Tal material podia ser antigo ou novo, positivo ou negativo, filmado ou pintado à mão – não existiam limites. Esta ideia permitiu-lhe ver a tecnologia como um instrumento musical à espera de um intérprete destemido que a conseguisse utilizar para criar cadências de cor. Ou então era como se fosse uma máquina cubista que podia engolir imagens anódinas documentais convertendo-as em fragmentos vivos e multi-coloridos. (…)
Roger Horrocks
in "Len Lye: a biography"

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

SHERLOCK JR. de Buster Keaton - 10.11.2014 - 21h30


"Sherlock Jr." é um filme exemplar, em vários aspectos, da lógica keatoniana. Em primeiro lugar porque estabelece uma ponte muito directa com o “tema do cinema”. A personagem principal (a cargo, claro, de Buster Keaton) deste filme é um projeccionista de uma sala de cinema que, um dia, adormece durante uma sessão e em sonhos se “funde” com o espaço do próprio écran e com as acções que nele desfilam. Quase toda a acção de Sherlock Jr. decorre, portanto, num espaço e num tempo que são simultaneamente da ordem do onírico e da ordem do cinematográfico; que essas ordens sejam, no filme, de difícil distinção, eis o que não é por certo inocente. A sequência em que se processa a entrada da personagem para “dentro” do écran é, de resto, um momento de antologia: Keaton vê-se, de súbito, com o corpo sacudido pela descontinuidade espacial introduzida pela montagem e, de plano para plano (no filme dentro do filme, como se depreende) luta para conservar o equilíbrio.(…)
Luís Miguel Oliveira

in “Folhas da Cinemateca"

SABOTEUR de Alfred Hitchcock - 10.11.2014 - 19h00


(...) "Na sua digressão pelos locais turístico e icónicos da América, Hitchcock conseguiu meter as suas personagens na Radio City Music Hall. O público parece divertir-se muito com uma farsa de alcova não muito espirituosa. O amante não pode ser descoberto pelo marido. Gargalhada. O marido entra e puxa da pistola. Mais gargalhada. Toda a gente pensa ser uma comédia embora se esteja claramente a transformar em algo de diferente. Entretanto,  o sabotador, um Norman Lloyd muito sinistro, está a ser perseguido pela polícia no teatro. Também ele tem uma arma. O sabotador, tentando sair do teatro cercado, foge para o palco atrás do ecrã. A sua imagem escura surge muito pequenina frente ao close-up gigantesco no ecrã do cinema. Ouve-se um tiro. Todos depreendem que vem do filme e, portanto, riem-se. Excepto o homem que apanhou com a bala do sabotador, e a mulher, que grita. De repente, toda a gente se apercebe que não se sabe quais os tiros que são verdadeiros e os que pertencem ao filme que estão a ver. Pânico geral. O filme continua. Ouvem-se, no meio daquele pandemónio, falas dispersas do diálogo do filme. “Foge, foge, por amor de Deus! Foge daqui!” “Enlouqueceu, enlouqueceu!” “Saiam! Saiam!” De repente, estas ordens que, originalmente, eram das personagens do filme, aplicam-se, agora, também ao público. A comédia, que não era assim tão divertida, transformou-se em algo trágico e perigoso. O público precipita-se para as saídas. O filme dentro do filme transforma-se instantaneamente, tal como acontece sucessivamente com os filmes de Hitchcock, em algo que passa do humorístico para o aterrador.”(...)

Mark Rappaport
in catálogo “cinematografia-cinematografia"

domingo, 9 de novembro de 2014

L'Atalante de Jean Vigo apresentado por Bernard Eisenschitz


L'Atalante de Jean Vigo apresentado por Bernard Eisenschitz
from O Cinema a volta de cinco artes on Vimeo.

Bernard Eisenschitz apresenta "L'Atalante" de Jean Vigo na Cinemateca Portuguesa no âmbito do ciclo de cinema do Festival Temps d'Images "O Cinema à volta de cinco Artes -cinco Artes à volta do Cinema", no sábado 8 de Novembro de 2014. ©Cinemateca Portuguesa-Temps d'Images  

sábado, 8 de novembro de 2014

O TESOURO DE ARNE de Mauritz Stiller - 08.11.2014 - 15h30


Elsalill só sobrevive ao massacre para recordar a casa das mortes e, bem contra o que queria, cumprir a maldição que ela própria formula. Nas suas muitas perguntas a Sir Archie, ela só quer saber o que já sabe. Que a morte toma conta de tudo, e que o amor, como os olhares e as palavras, mais não faz que a devolver. Tudo se passa entre os rostos (voltamos sempre aos grandes planos), entre o medo e o espanto de tão grande destruição e de tão grande harmonia. Enquanto os cavalos se afundam na neve, e os espaços cada vez mais se comprimem, Elsalill e Sir Archie vão-se confundindo um no outro (“foi Deus que te trouxe”) sob o signo do “navio fantasma” onde, finalmente, o seu destino se cumpre. Alternativamente, é Sir Archie (a mão no ombro) ou é Elsalill (a transparência da “aparição”, a denúncia, o corpo como “écran”) quem leva ao outro esse “maior peso”, sem qual não pode haver o degelo ou a comunicação final. Alternativamente (os campos-contra-campos) vão-se olhando com o olhar da morte. E deixa de fazer sentido separar (falando de transparências e sobre-impressões) o que pertence a um só e comum reino. Os sonhos, como a realidade, só carregam o sinal do que há por haver.

Por isso, uma das sequências mais poderosas deste filme, é aquela em que Elsalill, levada pela mulher de Torarin, narra para os assassinos o que eles tão bem como nós e ela conhecem. Como nos grandes “raccontos” do drama lírico, há uma fixação no momento que escapa a qualquer tentativa de explicação e que vem trazer a luz inteiramente diferente à cena já antes vista. Já tudo pertence à magia.

Magia. Será dizer de mais que este é um dos grandes filmes mágicos da história do cinema? Ou qual é a ordem do belo em "O Tesouro de Arne?”

João Bénard da Costa

in Folhas da Cinemateca

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

LA VIE APRÈS LA MORT e L'HEURE DU BERGER de Pierre Creton - 07.11.2014 - 21h30


(…) O tema do retrato, em "La vie après la mort", é pois a própria amizade: nem Pierre, nem Jean, mas o sentimento que os liga. O tema de "L’Heure du Berger" é a sobrevivência dessa amizade na casa de Jean e de Pierre. Pela primeira vez neste filme Pierre Creton atreve-se àquilo que ele considerava “proibido”: sobreimpressões.

A primeira acompanha a retoma de um dos mais belos planos de "La vie après la mort", quando Marie Le Pallec, a amiga com quem tinha comprado a casa de Jean Lambert canta para o morto versos de Verlaine. Sobre a imagem da amiga que canta este lamento, Pierre Creton sobre-imprime a sua própria silhueta murmurando sete anos depois a mesma canção. Mudo, acompanha com o movimento dos lábios o canto de Marie num dueto perturbador, fantástico, espectral: sete anos depois o lamento continua, a dor está presente mas apaziguada, a homenagem ao morto continua.r Pierre na casa do falecido Jean, o filme chama-se "La vie après la mort". Começa com um extraordinário retrato duplo de amizade.(...)

Cyril Neyrat 
in catálogo “cinematografia-cinematografia"

VAMPYR de Carl Th. Dreyer - 07.11.2014 - 19h00


(...) Há muitas vagueações, e muitos movimentos de câmara, prolongando a duração dos planos, abandonando e retomando os enquadramentos e as personagens. A aparição e o apagamento, a materialização e a evanescência são intrínsecos à história da vampira, de Léone assombrada por Marguerite Chopin, do sonambulismo de David Gray no encalço das sombras. Vejam-se as que habitam as paredes e a escada do celeiro, as que dançam como sombras chinesas ou como num autêntico espectáculo de lanterna mágica, filmadas num longo travelling lateral. E há outros reflexos invertidos: a silhueta de Léone assim vista na outra margem do lago, o movimento da sombra que escava ao contrário uma sepultura na terra antes e depois de David entrar no moinho. Por fim, David Gray adormecido num banco de jardim desdobra-se ele próprio em transparência, para vaguear uma vez mais.

É uma das sequências mais justamente antológicas de vampyr: o protagonista, que ficou no banco do jardim, vagueia transparente para ir ao encontro da sua própria imagem que descobre jazendo de olhos inexpressivamente abertos num caixão de madeira com uma abertura envidraçada que emoldura a cabeça do “morto”. Se há muitas trocas de perspectivas ao longo de todo o filme, esta tripartida perspectiva, é sem dúvida o mais poderoso exemplo. Vemos o caixão a ser fechado do ponto de vista subjectivo do corpo nele recluso, depois, em contra-picados verticais, o céu, algumas fachadas, um sino de igreja, as árvores e as nuvens desfilam traçando o percurso do caixão na visão subjectiva de Gray, cujo rosto vemos em grandes planos que intercalam o desfile fúnebre até que este passa pelo jardim onde, ao longe, o mesmo Gray permanece sentado e adormecido. E há que notar como o alinhamento dos planos lembra o dispositivo de uma câmara de filmar enquanto se assiste ao fechar do caixão: a manivela a rodar, o quadrado envidraçado da abertura nele feita, a vela acesa em frente (em cima) dela, em rima com a vela que, no princípio, o mesmo Gray aproxima da gravura do quarto da estalagem para a ver ao perto. Há, aliás, vários outros quadros cuja presença não é displicente, por exemplo a grande tela do quarto de Léone. As figuras neles pintadas serão também fantasmagóricas, vagamente vampíricas também elas.
Maria João Madeira

in Folhas da Cinemateca

Vampyr de Carl Th. Dreyer apresentado por Miguel Marias


Miguel Marias apresenta "Vampyr" de Carl Th. Dreyer
from O Cinema a volta de cinco artes on Vimeo.

Miguel Marias apresenta "Vampyr" de Carl Th. Dreyer na Cinemateca Portuguesa no âmbito do ciclo de cinema do Festival Temps d'Images, O Cinema à volta de cinco Artes - Cinco Artes à volta do Cinema, na sexta-feira 7 de Novembro de 2014. © Cinemateca Portuguesa - Temps d'Images.

HAND HELD DAY de Gary Beydler - 07.11.2014 - 19h00


quinta-feira, 6 de novembro de 2014

A VINGANÇA DE UMA MULHER de Rita Azevedo Gomes - 06.11.2014 - 21h30


(…) E admirável filme que se faz sobre esta história, talvez da única maneira que era possível filmá-la: preservando o “racconto” da duquesa como núcleo do filme, encenação que devolve à palavra (da duquesa) o seu papel essencial na disseminação da desonra (do duque) pelo mundo – esta mulher é como Nosferatu a espalhar a doença.

Admirável, também, Rita Durão, que aguenta com o corpo e a voz dois terços do filme, e o monólogo demencial que, por sua vez, lhe dá corpo. A câmara ronda, em travellings, panorâmicas e reenquadramentos (é um bailado e um duelo), o cenário, cheio de vermelho (é verdadeiramente “um filme de estúdio”, um filme do artifício dado como artifício), ameaça engolir tudo, os objectos, de rompante, revelam o seu significado cruel, e ela, a duquesa, cada vez mais fria e ao mesmo tempo, mais incandescente, domina a “mise en scène” do seu cerimonial de vingança, acentuando a que ponto ele mistura tudo, o ódio e o amor, o desejo de destruição e o desejo de auto-destruição. (…)
Luís Miguel Oliveira

in Folhas da Cinemateca

COEUR FIDÈLE de Jean Epstein - 06.11.2014 - 19h00


(…) Depois de ter assimilado as descobertas de L’Herbier, Epstein vira-se para as de Gance, a montagem curta da canção do trilho[1], e surge "Coeur Fidèle.” É o triunfo do impressionismo do movimento, mas é ainda outra coisa, é o triunfo do espírito moderno. Sempre este olhar novo, esta concepção do plano cinematográfico que nos aparecera em "L’Auberge Rouge" e que antes de Epstein apenas existia nalguns filmes americanos da Triangle Film Corporation. Um plano que, em vez de se enquadrar dentro da margem de veludo preto do ecrã, o anula, vai para além dele, dá-nos a impressão de que é totalmente “aéreo”, que se prolonga no espaço. Basta comparar uma imagem de "La Roue" com uma imagem de "Coeur Fidèl"e para se perceber esta diferença. É por isso que "Coeur Fidèle"  foi um filme explosivo.(…)
Henri Langlois
Écrits de Cinéma

[1]  Alusão a "La Roue", de Abel Gance

De entre as várias sobreimpressões do filme, todas elas sumptuosas, que afirmam o poder do cinematógrafo designado enquanto tal e designando também outra coisa que não ele e a vida, podendo transformá-los e ultrapassá-los através da reanimação dos seus elementos, das mais marcantes e magnéticas - de uma energia desta vez hidráulica e fotovoltaica – são sem dúvida as aparições da imagem de Marie sobre as águas, única e deslumbrante através da multiplicidade das suas aparições, mais do que nunca unida e magnetizada com Jean pela sua irradiação. “Figura da ausência” (Marc Vernet) ela parece por isso mesmo ainda mais presente. Irradia. A Água, a Terra e o Sol irradiam, fazem irradiar como os corações fiéis, o finito e o infinito, a permanência e o devir. Electricamente ligada a eles, o cinematógrafo irradia e faz irradiar de outro modo, “múmia da mudança” (André Bazin) “que representa o mundo na sua mobilidade geral e contínua” (Jean Epstein).

Florent Guézengar
in catálogo “Cinematografia-Cinematografia"

6 de Novembro de 2014


quarta-feira, 5 de novembro de 2014

HÄXAN A Feitiçaria através dos Tempos de Benjamin Christensen - 05.11.2014 - 19h00



(...) Uma das coisas mais desarmantes do filme de Christensen é o seu “pretexto”, ou por outra, a maneira como esse pretexto é apresentado. Estaríamos, conforme é anunciado no princípio e, de resto, praticamente em toda a primeira bobina, num território “didáctico” e “informativo” (quase “documental”, dir-se-ia), em jeito de dissertação sobre a história da feitiçaria e da superstição ao longo dos tempos. Como se fosse uma projecção de “slides”, e as explicações orais (ou escritas, neste caso) alternassem com a ilustração por imagens, o primeiro quarto de hora mergulha em tradições ancestrais, mostrando figuras arquetípicas (mormente, o Diabo himself) e o modo como diferentes culturas as descreveram. Só depois passamos à reconstituição “viva” dessas histórias de superstição, num esquema narrativo que, se começa por isolar exemplarmente (em arrumação cronológica, exacta ou suposta) os episódios que descreve, às vezes como num filme de “tableaux”, não tarda muito em começar a misturar tudo, a gizar paralelismos e a tecer alusões, transformando decisivamente o filme naquilo que ele, de facto, é: um poderosíssimo, alucinado e alucinante, desfile de um imaginário da feitiçaria e do satanismo, alimentado em igual dose por mitos cristãos e mitos pagãos, ecoando ao mesmo tempo as manifestações culturais e artísticas desse imaginário (a pintura, naturalmente, com Bosch a ser a referência mais evidente em diversos momentos).(...)
Luís Miguel Oliveira
in Folhas da Cinemateca

domingo, 2 de novembro de 2014

O CAVALO QUE CHORA de Mark Donskoi - 04.11.2014 - 21h30


Atrás referi (…), Ford e Renoir. Daí vem essa humanidade, e em profundo amor à terra e às pessoas que emana de cada plano de O Cavalo que Chora, essa ternura e o cuidado posto nos mais ínfimos pormenores de cada um dos personagens. Ostap e Salomia são um par apaixonado obrigado a separar-se por imposição do senhor feudal (a acção decorre no século XIX) e enquanto Salomia é “oferecida” a um servo fiel, Ostap desesperado projecta fugir para o outro lado do rio, onde dizem haver mais liberdade e respeito humano.

(…) Entre uma e outra imagem a história desliza como uma verdadeira elegia. E “deslizar” talvez seja o termo mais certo na medida em que o seu ritmo decorre suavemente como as águas do rio que separa a Rússia da Bessarábia, sob o domínio Turco. E a calma singular em que por vezes mergulha este rio e este olhar tão próximo das pessoas e das coisas lembra um outro rio (o sagrado) e um outro olhar (o de Renoir). E a aproximação de Donskoi aos seus ciganos que recolhem Salomia e Ostap ferido, não é ela também tão pura e simples como a de Renoir aos seus saltimbancos da Carroza d’Oro? Mas outros olhares são invocados ao longo deste filme que se assemelha a um grito lancinante de amor. O de Mizoguchi e os seus Amantes Crucificados. Não é somente pelo tema e pela repressão feudal, nem mesmo pela constatação da Impossibilidade da concretização desse amor sujeito a pressões sociais. Neste caso é também o estilo, uma câmara fluente que parece deslizar de forma prodigiosa pelas margens ou sobre um rio, para de súbito descobrir ou uma paisagem ou um rosto: a câmara que acompanha o grito de Ostap ao começo, fi­cando-se sobre os pombos num plano superior (movimento que é repetido para sublinhar a dor e a perda de Ostap), os fabulosos movimentos por entre os juncos, na fuga de Salomia e Ostap, durante o incêndio, culminando no “travelling” em que Salomia conduz os ciganos, aquele “travelling” de cortar a respiração que acompanha o par na margem do rio e que termina no encontro de Ostap com o tio moribundo, ou a panorâmica na feira que começa com o grito de Salomia saindo o seu rosto da câmara até esta enquadrar a representação teatral. Esta é uma das poucas vezes que o estilo se harmoniza com a história (que, de outra forma, é o que se passa sempre com Ford) e em que a história evo­ca outros poetas ucranianos: Dovjenko (em cujos estúdios foi filmado O Cavalo que Cho­ra) e antecipa um dos talentos mais originais do cinema contemporâneo: Paradjanov. (…)
Talvez hajam outras obras a redescobrir nestes anos de degelo na União Soviética. Mas do que conheço, duma forma ou de outra, dá-me a íntima convicção de que O Cavalo que Chora é a obra-prima deste cinema a desta década. (…)

Manuel Cintra Ferreira
in "Folhas da Cinemateca"

O Cavalo que Chora / Dorogoi Tsenoi de Mark Donskoi apresentado por Miguel Marias


Miguel Marias apresenta "O Cavalo que Chora / Dorogoi Tsenoi" de Mark Donskoi
from O Cinema a volta de cinco artes on Vimeo.

Miguel Marias apresenta "O Cavalo que Chora / Dorogoi Tsenoi" de Mark Donskoi na Cinemateca Portuguesa no âmbito do ciclo de cinema do Festival Temps d'Images  "O Cinema à volta de cinco Artes -cinco Artes à volta do Cinema", na terça-feira 4 de Novembro de 2014. ©Cinemateca Portuguesa-Temps d'Images