quinta-feira, 6 de novembro de 2014

COEUR FIDÈLE de Jean Epstein - 06.11.2014 - 19h00


(…) Depois de ter assimilado as descobertas de L’Herbier, Epstein vira-se para as de Gance, a montagem curta da canção do trilho[1], e surge "Coeur Fidèle.” É o triunfo do impressionismo do movimento, mas é ainda outra coisa, é o triunfo do espírito moderno. Sempre este olhar novo, esta concepção do plano cinematográfico que nos aparecera em "L’Auberge Rouge" e que antes de Epstein apenas existia nalguns filmes americanos da Triangle Film Corporation. Um plano que, em vez de se enquadrar dentro da margem de veludo preto do ecrã, o anula, vai para além dele, dá-nos a impressão de que é totalmente “aéreo”, que se prolonga no espaço. Basta comparar uma imagem de "La Roue" com uma imagem de "Coeur Fidèl"e para se perceber esta diferença. É por isso que "Coeur Fidèle"  foi um filme explosivo.(…)
Henri Langlois
Écrits de Cinéma

[1]  Alusão a "La Roue", de Abel Gance

De entre as várias sobreimpressões do filme, todas elas sumptuosas, que afirmam o poder do cinematógrafo designado enquanto tal e designando também outra coisa que não ele e a vida, podendo transformá-los e ultrapassá-los através da reanimação dos seus elementos, das mais marcantes e magnéticas - de uma energia desta vez hidráulica e fotovoltaica – são sem dúvida as aparições da imagem de Marie sobre as águas, única e deslumbrante através da multiplicidade das suas aparições, mais do que nunca unida e magnetizada com Jean pela sua irradiação. “Figura da ausência” (Marc Vernet) ela parece por isso mesmo ainda mais presente. Irradia. A Água, a Terra e o Sol irradiam, fazem irradiar como os corações fiéis, o finito e o infinito, a permanência e o devir. Electricamente ligada a eles, o cinematógrafo irradia e faz irradiar de outro modo, “múmia da mudança” (André Bazin) “que representa o mundo na sua mobilidade geral e contínua” (Jean Epstein).

Florent Guézengar
in catálogo “Cinematografia-Cinematografia"