quarta-feira, 10 de novembro de 2010

THE PUPPETMASTER de Hou Hsiao-Hsien - 11.11.2010 - 21h30


Quando a Culturgest me deu a possibilidade de organizar um ciclo de cinema, não tive a menor hesitação nas premissas da escolha: a Trilogia de Taiwan de Hou-Hsiao Hsien, constituída por A City of Sadness, The Puppet Master e Good Men, Good Women, um lapso maior no conhecimento concreto do cinema contemporâneo em Portugal.
São muito raros os exemplos equiparáveis de um gesto cinematográfico de tal risco e desmesura. (...)
O "tradicionalismo radical" de Hou-Hsiao Hsien [...], ou a sua radical alteridade do ponto de vista do nosso olhar ocidental, suscitam afinal questões que não podemos deixar de considerar como das mais importantes a uma problematização do espaço-tempo cinematográfico afinal de uma absoluta modernidade: o plano-sequência e a "imagem-tempo" na consideração de Deleuze, o olhar do autor e o olhar das personagens, os traçados e percursos internos ao plano, os temps de apreensão. (...)
Augusto M.Seabra
in 3xHHH
ciclo na Culturgest, Maio de 2007
(catálogo em pdf aqui)
sessão com a presença de Augusto M. Seabra

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

LES YEUX SANS VISAGE de Georges Franju - 11.11.2010 - 19h30


(... ) O que paira sobre o cinema de Franju é a sombra de Louis Feuillade, em especial a capacidade de um e outro transfigurarem a imagem “real” numa outra de cariz fantástico sem a intrusão de elementos estranhos (recorde-se o fabuloso Les Vampires), apoiando-se apenas na criação de uma atmosfera especial com recurso aos artifícios da iluminação. O cinema de Franju é um cinema de “luz”, por muito pleonástica que pareça a afirmação. A luz é, mais do que um “personagem”, o elemento criador da tensão e do drama, e não deixa de ser curioso que o filme seguinte a Les Yeux Sans Visage tenha exactamente o título de Pleins Feux sur L' Assassin, sendo os “pleins feux” os holofotes, e o motor dramático da acção. A Feuillade vai Franju buscar, também, as características folhetinescas dos seus filmes, quando não os próprios argumentos: Judex, de 1963 não é uma nova versão do filme-folhetim de Feuillade, mas antes uma incursão na mesma atmosfera vaga e onírica, de onde a poesia irrompe da forma mais inesperada: a sequência das pombas em Judex retoma outra, bem mais conseguida e bela que vemos no fim de Les Yeux. É este clima que banha todo o filme que faz dele a melhor obra de Franju, ao lado da sua primeira longa metragem: La Tête Contre les Murs. (...)
Manuel Cintra Ferreira
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

10 DE NOVEMBRO

VERTIGES de Christine Laurent - 10.11.2010 - 21h30


Vertiges é o segundo filme de Christine Laurent. Um grupo de teatro ensaia As Bodas de Fígaro. Há quanto tempo não víamos uma coisa tão sensível e tão rigorosa acerca do canto, do teatro e da “paixão de ser outro”? Há séculos, pelo menos.(...)
Há mais respeito pela ópera (o respeito deslumbrado de uma criança que cresceu nos bastidores) neste filmezinho ambicioso do que no Don Giovanni de Losey e no Carmen de Rosi juntos. Aqui, não se faz nenhuma releitura, deixa-se Mozart e a luta de classes no seu lugar (muito desconstruídos), e o que se faz é unicamente acompanhar os cantores. Não do palco até à cidade (ideia compensadora, mas vulgar), nem sequer do palco até aos bastidores (ideia fácil, mas curta), mas decididamente da voz até ao silêncio. Porque, quando a voz já não é portadora, por muito que o corpo se agite, balbucie, grite, entra num estado de silêncio.(...)
Serge Daney
Libération, 11 de Novembro de 1985
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010


O Vertiges começa e acaba num teatro. Mas a teia do teatro Garcia de Resende de Évora transforma-se logo no primeiro e lindíssimo plano do filme no imenso céu estrelado que é afinal o céu da noite de todos os amores, todos os encontros, todos os desenganos e todos os reencontros do último acto das Bodas de Fígaro com que acaba também o filme: “Ah tutti contenti saremo cosí. Corriam tutti a festeggiar! Questo giorno di tormento di capriccio e di folia, in contenti e in allegria solo amor puo terminar.” Julgo que é assim que a Christine sonha a vida: um abismo, tão vasto como profundo, céu quando olhamos para cima, e se olharmos para baixo, escuro como o mar, à noite, muito fundo. Mas o mundo é para ela como um palácio. O mundo é um lugar onde se ouve cantar. O Garcia de Resende (e não será por acaso que a parede do fundo desse palco é feita de vários andares de camarins e escadas, muitas escadas) torna-se no Palácio de Águas Frescas de Sevilha onde se passam as Bodas. Até nisso o Vertiges é para mim fundador. O Teatro é um Palácio. E o Palácio um teatro. Um Palácio ( “parce que c'est beau” ) é o lugar, um mundo, capaz de transformar em grupo, reunir ou fazer coabitar, as pessoas mais diferentes, nas suas diferentes classes sociais, nas suas histórias passadas. Um Palácio porque o momento romanesco que transforma em encontro a solidão de cada um, o merece. Merece-o cada um de nós, merece-o o grupo. E são histórias de grupos o que nos vários filmes a Christine tem filmado. Grupos que se fazem ou desfazem mas que alguém ou alguma coisa faz viver em comum.
Luís Miguel Cintra
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

sessão com a presença de Christine Laurent, Luís Miguel Cintra, Acácio de Almeida

KOMAL GANDHAR (Mi Bemol) de Ritwik Gathak - 10.11.2010 - 19h00

 
(...) Para o final, deixei o tema do teatro, na primeira explícita incursão de Ghatak no mundo da representação dentro do mundo dos sinais. Se é possível que neste filme, a vontade humana se sobreponha ao ciclo cultural e natural, é porque todos participam desse mundo “de ilusão” em que as sombras antecipam os corpos e sobre eles predominam. (...)  O teatro (com o uso de uma encenação cinematográfica) é apenas o outro acorde, sonante e dissonante, da música off que percorre o filme. Quase se poderia dizer que o teatro funciona contrapolarmente à música e aos espaços exteriores, como o lugar do luto e da divisão. Mas, sendo também um espaço mítico (espelho invertido da mesma realidade) permite (sequência das máscaras) que os ritmos se reassumam como ritmos de renovação e que, através deles, se faça, igualmente, o percurso libertador. “Mesmo o céu está cheio de fumo”, diz-se no início. É esse bafo obscurecedor que é progressivamente eliminado e iluminado, até que um criador egocêntrico (Bhrigu) seja tocado pelo que, em termos nossos, chamaríamos a Graça. (...)
João Bénard da Costa
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

9 DE NOVEMBRO

domingo, 7 de novembro de 2010

CÉLINE ET JULIE VONT EN BATEAU de Jacques Rivette - 09.11.2010 - 22h00


Jacques Rivette é, entre os representantes da Nouvelle Vague, aquele cuja obra tem tido menos divulgação entre o público. (...) Desta primeira fase da sua obra, Céline et Julie Vont en Bateau pode considerar-se o mais legível dos seus filmes, numa história que mistura golpes de teatro rocambolescos à maneira dos primitivos filmes de episódios de Louis Feuillade, os gags de Max Linder e os melodramas de mistério. Céline e Julie “vont en bateau” à deriva pelos primitivos tempos do cinema. E Rivette, ao leme, não tem por preocupação a análise ou reflexão sobre esse cinema. Como toda a deriva não tem um fim em si, limita-se ao prazer de contemplar e, sempre que possível, participar, rever, voltar ao princípio num percurso circular. A legenda que repetidamente surge e que divide os sucessivos episódios (“Mais le lendemain matin...”) serve mais para sublinhar essa circularidade do que para fazer progredir a acção, se assim se pode chamar a esta intricada rede de referências.
Céline et Julie Vont en Bateau concretamente o que representa? É um filme fantástico? De suspense? Uma farsa? Um melodrama? (...)  Será, antes de mais, um jogo de ilusões e, portanto, de magia. (...)
Manuel Cintra Ferreira
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010



Aos olhos dos esforços outrora empreendidos por Tzetan Todorov para distinguir o fantástico e o maravilhoso, o filme de Jacques Rivette, que vai buscar, ao mesmo tempo, o nonsense maravilhoso de Lewis Carroll, a inquietante estranheza de um Henry James, o folhetim popular cinematográfico de Louis Feuillade e o fantástico de Adolfo Bioy Casares, para apenas citar estes, deveria surgir como um puro escândalo de “inclassificabilidade”. (...)
Teatro, sonho, magia, feitiçaria, substâncias alucinogénicas, cabaret, efabulação, imposturas, brincadeiras de crianças (1-2-3 macaquinho do chinês), jogo de palavras, jogo do espelho e muitos mais: todas as formas possíveis e imagináveis da efabulação que se podem encontrar em Céline et Julie vont en Bateau. Tudo isto como que saído da maravilhosa tralha de uma velha arca de brinquedos (...)
Emmanuel Siety
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

A NIGHT AT THE OPERA de Sam Wood - 09.11.2010 - 19h30


(...) De novo, Groucho tem pela frente Margaret Dumont - elemento indispensável do universo dos Marx - que aqui é a rica milionária, Mrs. Claypool. E, quase logo no início do filme, no jantar do restaurante de Milão, há entre ela e Groucho Marx um dos mais antológicos diálogos “marxistas”. Perante os ciúmes da milionária, Groucho explica-lhe que, se estava a jantar com a jovem loura, é porque a loura lhe lembrava a velha gorda. E, num crescendo de delírio contínua: “That's why I'm sitting here with you. Because you remind me of you. Your eyes, your throat, your lips... everything reminds me of you. Except you. How do you account for that?”. (...)
Talvez que os Irmãos não tenham tido a plena consciência de tudo quanto estavam a pôr em causa, mas quando Harpo faz cair por detrás da Cigana Azucena, no “Stride La Vampe” os mais diversos cenários, provocando as duplas gargalhadas - dos espectadores do filme e dos espectadores no filme - o que os Irmãos estão a destruir é o cenário da mais absoluta ilusão inventada pelo homem. A ilusão artística, sobre a qual também eles - Marx - assentam e da qual também vivem. (...)
João Bénard da Costa
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

THE PLAYHOUSE de Buster Keaton - 09.11.2010 - 19h30


Minnelli ter-se-á lembrado, na sequência onírica de Um Americano em Paris, em que Oscar Levant cria para si próprio um espectáculo musical, sendo ao mesmo tempo instrumentista, maestro e público, da extraordinária abertura de Playhouse
De facto, temos aí um Keaton em múltiplos exemplares a dirigir a orquestra, a serrar um contrabaixo, a pôr óleo num trombone, e, maquinista de cena, a levantar a cortina sobre ele próprio multiplicado por oito, enquanto os espectadores nos balcões (casal de idosos, rapazinho vestido de marujo, etc., todos com a cara de Keaton) abrem um programa e se espantam por aquele Keaton ter, decididamente, reservado para si a parte do leão no espectáculo. (...)
Jean-André Fieschi
Cahiers du Cinéma, nº130, Abril de 1962
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

8 DE NOVEMBRO

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

DITES-MOI QUELQUE CHOSE de Philippe Lafosse - 08.11.2010 - 21h30


Dites-moi quelque chose é uma montagem de conversas entre Jean-Marie Straub e o público do Reflet Médicis, em Paris, gravadas por ocasião da retrospectiva integral organizada por Lafosse, a um ritmo de uma sessão todas as terças-feiras, durante quatro meses, de Novembro de 2007 a Março de 2008. O talento natural de Straub para a comédia está já patente em Où git votre sourire enfoui?, o filme de Pedro Costa sobre a montagem de Sicilia!. Dites-moi quelque chose confirma as disposições e o gosto de Jean-Marie Straub em relação ao teatro. Mas, entretanto, a comédia perdeu uma das suas principais personagens: Danièle Huillet morreu em Outubro de 2006. (...)
O que impressiona, todavia, [...] na visão do filme [...], é a seriedade com que Straub considera cada pergunta. Se por vezes se exalta, se a conversa se transforma em espectáculo, é, sobretudo porque ele não deixa passar nada, porque cada comentário, cada expressão do público são analisados e suscitam respostas à medida do seu conteúdo. Todas as perguntas são iguais em direito, diz constantemente Straub. Esta igualdade significa que o cineasta será implacável, que se aplicará tanto a dinamitar a estupidez quanto a prolongar a inteligência, que bastará uma palavra para o deixar furioso - “mainmise” (dominação), por exemplo. Assim Straub converte em teatro o habitual debate cinéfilo e a moleza aproximativa da animação cultural: um espaço de ressonância da palavra, o palco conflitual onde se constitui uma comunidade. (...)
Cyril Neyrat
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

CORNEILLE-BRECHT e O SOMMA LUCE de Jean-Marie Straub - 08.11.2010 - 19h00


(...) Ver, escutar os ruídos da cidade, vozes como um apoio, uma irrigação, um rumor, Cornelia Geiser de pé em Camila a Romana primeiro, a dizer em dezoito versos o ódio que sente pelo seu país depois de Curiacio, seu amante, pertencente ao campo inimigo, ter sido morto pelo próprio irmão; depois, quarenta anos exactamente após o magnífico Othon, dizendo como um dardo que pica, catorze versos dessa peça soberanamente novos. Que são como estalidos, como agulhas na lã.
Ver, ouvir Brecht orquestrado como uma audaciosa música contemporânea - interpretada por Cornelia, sentada agora e tocando todos os instrumentos de cordas - e arquitectado pelos seis planos de Jean-Marie Straub, seis toques de percussões. (...)
Ouvir Giorgio Passerone, impaciente e cuja respiração material se apodera de uma nova tradução de Dante para lançar flechas lentas em direcção a um alvo em movimento, deslumbrante de substância.(...)
Corneille/Brecht, O Somma Luce: dois filmes que, tornando alguns textos estrangeiros e estranhos, arrancando-os, através do trabalho dos recitantes e através da realização, ao próximo demasiado próximo, dão, pois, a ver e a ouvir como raramente se vê e se ouve no cinema. Objectos únicos. E interligados - entre si e com aqueles outros objectos únicos que são os filmes de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub desde 1962, por muito diferentes uns dos outros que sejam, tal como Othon (1969) é diferente de La Mort d'Empédocle (1986). (...)
Philippe Lafosse
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

DIE MARQUISE VON O... de Eric Rohmer - 06.11.2010 - 19h00

Ele parte para Nápoles e “se voltar de Nápoles e se, daqui até lá, as informações recebidas acerca dele não desmentirem a impressão geral que te causou, como poderias, se ele voltasse a apresentar o seu pedido, declarar-te?” Acabámos de viver um episódio da guerra durante a epopeia napoleónica, a História desenrola-se diante dos nossos olhos. O conde F..., oficial do exército russo que ataca M..., cidade da Alta Itália, salva a filha do governador de ser violada. Os culpados são fuzilados. Depois de ter sido dado por morto em combate, o conde aparece ao governador e quer saber, antes de ser enviado de regresso a Nápoles, se pode aspirar à mão da marquesa.
    Heinrich von Kleist, com esta pergunta da mulher do coronel à filha - “como declarar-te?” - adensa ainda mais o enigma. Quem pensa o quê? Quais são os sentimentos íntimos da marquesa para com o seu salvador “surgido como um anjo do céu”?
    A escrita de Kleist, quase desinteressada ou distraída (como se o texto se tivesse enredado no fumo espesso dos combates do início do filme) e a estrutura da narrativa fazem lembrar mais uma peça de teatro: instala-se o cenário, descreve-se as atitudes das personagens, os diálogos sucedem-se. Tensão, oposição, golpe de teatro e mudança de acto. (...)
Tanto o romance como o filme tiram partido de um ambiente perturbador para chegar a algo de anti-sentimental. As personagens agem, movem-se com paixão e, ao mesmo tempo, têm o sentido do dever, da honra, uma vontade de contenção. (...)
Philippe Fauvel
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

SILVESTRE de João César Monteiro - 06.11.2010 - 15h30


Silvestre, um filme, um coração de fogo; arde apaixonadamente - substância e matriz -
da sua própria energia; sem defesa, transtorna-se, reaparece, renasce consciente da sua relatividade,
humaniza-se em suma, como as matérias - teatro e vida - de que é tecido.

Dos desertos do amor à solidão das estrelas, a travessia árdua,
dolorosa e desordenada de todos os sonhos rebeldes ;
 porque é pelo frio que subimos, ou, muito simplesmente, we can't go home again,
como diziam os nossos amigos que agora descansam.

(...)
João César Monteiro