segunda-feira, 8 de novembro de 2010

VERTIGES de Christine Laurent - 10.11.2010 - 21h30


Vertiges é o segundo filme de Christine Laurent. Um grupo de teatro ensaia As Bodas de Fígaro. Há quanto tempo não víamos uma coisa tão sensível e tão rigorosa acerca do canto, do teatro e da “paixão de ser outro”? Há séculos, pelo menos.(...)
Há mais respeito pela ópera (o respeito deslumbrado de uma criança que cresceu nos bastidores) neste filmezinho ambicioso do que no Don Giovanni de Losey e no Carmen de Rosi juntos. Aqui, não se faz nenhuma releitura, deixa-se Mozart e a luta de classes no seu lugar (muito desconstruídos), e o que se faz é unicamente acompanhar os cantores. Não do palco até à cidade (ideia compensadora, mas vulgar), nem sequer do palco até aos bastidores (ideia fácil, mas curta), mas decididamente da voz até ao silêncio. Porque, quando a voz já não é portadora, por muito que o corpo se agite, balbucie, grite, entra num estado de silêncio.(...)
Serge Daney
Libération, 11 de Novembro de 1985
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010


O Vertiges começa e acaba num teatro. Mas a teia do teatro Garcia de Resende de Évora transforma-se logo no primeiro e lindíssimo plano do filme no imenso céu estrelado que é afinal o céu da noite de todos os amores, todos os encontros, todos os desenganos e todos os reencontros do último acto das Bodas de Fígaro com que acaba também o filme: “Ah tutti contenti saremo cosí. Corriam tutti a festeggiar! Questo giorno di tormento di capriccio e di folia, in contenti e in allegria solo amor puo terminar.” Julgo que é assim que a Christine sonha a vida: um abismo, tão vasto como profundo, céu quando olhamos para cima, e se olharmos para baixo, escuro como o mar, à noite, muito fundo. Mas o mundo é para ela como um palácio. O mundo é um lugar onde se ouve cantar. O Garcia de Resende (e não será por acaso que a parede do fundo desse palco é feita de vários andares de camarins e escadas, muitas escadas) torna-se no Palácio de Águas Frescas de Sevilha onde se passam as Bodas. Até nisso o Vertiges é para mim fundador. O Teatro é um Palácio. E o Palácio um teatro. Um Palácio ( “parce que c'est beau” ) é o lugar, um mundo, capaz de transformar em grupo, reunir ou fazer coabitar, as pessoas mais diferentes, nas suas diferentes classes sociais, nas suas histórias passadas. Um Palácio porque o momento romanesco que transforma em encontro a solidão de cada um, o merece. Merece-o cada um de nós, merece-o o grupo. E são histórias de grupos o que nos vários filmes a Christine tem filmado. Grupos que se fazem ou desfazem mas que alguém ou alguma coisa faz viver em comum.
Luís Miguel Cintra
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010

sessão com a presença de Christine Laurent, Luís Miguel Cintra, Acácio de Almeida