segunda-feira, 14 de novembro de 2011

U SAMOGO SINEVO MORYA (À Beira do Mar Azul) de Boris Barnet - 18.11.2011 - 19h00


 (...) A narrativa avança suspensa das mais belas elipses. O colar oferecido a Macha e o plano - misteriosíssimo e secretíssimo - em que as pérolas se desfiam, uma a uma, apagando-se no chão o seu brilho, como se fossem estrelas cadentes, tilintando contra o solo. Depois, a sequência que Daney tanto amou. E era Daney quem dizia que só queria falar dela contando-a, como se a oralidade se juntasse à única beleza das imagens. “Lembras-te como é tão bonito quando o mar enche a tela toda; lembras-te quando ela ainda não percebeu que estão todos a chorar porque julgam que ela morreu, e quando ela começa a rir com os dois rapazes? Lembras-te quando eles começam a dançar?”. Lembras-te? é a pergunta que apetece fazer a propósito do milagre único dessa sequência, desde que os dois amigos a vêem ao longe, nas ondas, e percebem que ela ainda vive, até à chegada dos três - como se viessem da morte, mas plenos de vida, de juventude e de inocência - ao velório onde os velhos choram. E não há maior milagre como quando ela pergunta “quem morreu?” e a resposta é a mais bela dança que me lembro de ter visto em cinema. Nunca, talvez, como nessa fabulosa sequência, o cinema tenha estado tão perto de nos dar a ver o que é a alegria. E nunca, a não ser em Ordet de Dreyer, o triunfo dos corpos ressuscitados foi tão físico e tão anímico, tão carne e tão espírito.
Depois, é a invenção de uma fotografia para que os corpos não entristeçam e para que todos possam sorrir melhor uns para os outros. Depois, é o pedido permanente do amigo “escuro” para que não lhe façam cócegas. Depois, é, de novo, e sempre, o mar, as ondas, o vento sossegado. Como se viéssemos de um sonho ou a um sonho regressássemos.

Este é um dos filmes mais bonitos que jamais se fizeram.

João Bénard da Costa
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011