sexta-feira, 11 de novembro de 2011

LE CAMION de Marguerite Duras - 15.11.2011 - 22h00


Foi na sua sala de  Neauphle-le-Château que Marguerite Duras decidiu contar a história da senhora do camião. Está em casa, a desempenhar portanto o seu próprio papel, o de Marguerite Duras, escritora que quer fazer um filme (...). À sua frente Gérard Depardieu interpreta Gérard Depardieu que seria o camionista do filme.  (...)

Música de câmara e música dos campos

De Duras a Depardieu, o texto oscila numa troca de frases curtas, de suspensões e de silêncios, de perguntas, respostas, frases repetidas em conjunto, é um dueto, a “Sonata a Kreutzer”, a de Bethoven é claro, as variações do segundo andamento para ser mais preciso. É a mesma conversa amável e um pouco insolente — pois Duras, sempre brincalhona, diverte-se com o seu papel de encenadora, com a sua diferença de idade e de estatuto, com o facto de ele ser homem e ela mulher. Ele, também, por momentos, diverte-se neste desafio. — todos os encontros o são ­­— um pouco apaixonado e muito respeitador, corrige-a e ambos concordam, interrogam-se, cedem-se a palavra como fazem o piano e o violino numa partitura e numa tonalidade muito iguais.(...)
Nesta obscuridade protectora, confrontam-se as sequências off. Off, porque saímos da câmara escura, estamos cá fora, a câmara mostra o camião ou a paisagem que ele atravessa; e também porque continuamos a ouvir o diálogo dentro da casa. Em contraste com o universo fechado e quente, opõe-se a luz fria do inverno, a triste paisagem dos arredores, as zonas comerciais, os campos nus. E, ao silêncio murmurado que reina na “câmara escura” responde uma música para piano, “As Variações Diabelli” de Beethoven. São três e aparecem com o camião. Acompanham-no quando ele desaparece na paisagem ou acompanham a paisagem, vista da cabina pelos olhos da senhora que anda à boleia.
Desde o primeiro plano do filme — o trinta e duas toneladas azul Saviem parado numa praça central —, o filme segue esta partitura binária, esta alternativa fora–dentro, obscuridade–luz, calor–frio, imobilidade­­­—movimento, em que se encontram a mulher e o homem, a encenadora à boleia e o actor camionista, um ao lado do outro, um pouco incongruentes, “díspares” diz Duras, e que têm como lugar comum ­— quer se trate da sala de Neauphle ou da cabina do camião — a clausura, o espaço fechado de onde se vê o mundo pela força das palavras no primeiro caso, pelos olhos da senhora, no segundo.(...)
Renaud Legrand
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011