domingo, 2 de novembro de 2008

UN JEU SI SIMPLE de Gilles Groulx - 07.11.2008


(...) À chegada, o filme frustra os vãos prestígios do virtuosismo para tender inelutavelmente para uma gravidade sem cessar pressentida, mas que não se afirma senão ao vigésimo quinto minuto, ou seja, a dois minutos do fim, quando no pequeno ecrã de televisão a preto e branco à direita do enquadramento, o jogador n.º 19 despedaça o pescoço no rebordo da pista e fica fulminado sob o silêncio esmagador dos 18.000 espectadores do estádio. Os jogadores que se ajuntam deslizam agora sobre o gelo ao ralenti, retendo a respiração. (...)
É claro que o filme inteiro está construído para se chegar aqui. Ele está, de algum modo, montado a partir do fim. É preciso então rebobiná-lo mentalmente para dele extrair toda a eficiência: plástica, rítmica, contraponteada. (...) Então, começa a música de órgão, que afasta logo o som síncrono e sacraliza bruscamente, ritualiza, fantasmagoriza os deslizamentos mudos dos jogadores, que passam como espectros diante da câmara, num ballet já fúnebre. Observar de outra maneira: esses planos de tensão, de súbita agitação, de retoma, de exaltação da multidão, ou essa sequência de uma trintena de planos breves, a cores, em que se jogam acelerações, idas e vindas, reagrupamentos, deslocamentos, da esquerda para a direita e da direita para a esquerda, essa coreografia colectiva de horda ou de enxame, até à extinção final. A montagem é um jogo tão simples.
Jean-André Fieschi
in catálogo "cinematografia – coreografia 2"
Lisboa, Outubro de 2008