domingo, 2 de novembro de 2008

BELARMINO de Fernando Lopes - 07.11.2008


(...) É a leitura acidental da notícia do combate (e da derrota) em Londres, citada logo a abrir o comentário do filme, que lança o realizador e o produtor neste projecto, encarado simultaneamente como “projecto possível” nesse quadro de produção, como “projecto pessoal” caro a Fernando Lopes - a concentração numa figura humana real, na sua ascensão e queda e na sua integração-identificação com o espaço lisboeta - e como elemento de ligação na carreira do autor entre o jornalismo televisivo e a ambicionada ficção. A própria estrutura original do filme, as suas ficções intercaladas e os seus jogos de montagem - nomeadamente aquele em que se estabelece a oposição entre Belarmino e Albano Martins - segue este último pressuposto, na medida em que tudo foi imaginado a partir de gravações iniciais, não condicionadas por qualquer argumento prévio.
Logo aqui, porém, nesse processo de construção, revela-se aquilo que deixámos já antever nos parágrafos introdutórios deste texto e que marca a distância óbvia a qualquer processo de "cinema-directo". É que, tanto quanto sabemos, esta primeira auscultação livre do discurso de Belarmino não foi filmada (ou foi-o só ocasionalmente) e, por conseguinte, aproveitada na obra final: foi sim um ponto de partida para a elaboração do filme, que, portanto, baseando-se numa escuta, volveu de imediato em construção (manipulação) dela. A distância está, com efeito, á vista: Belarmino, na sua tão grande sensação de espontaneidade - abertura imensamente sensível aos pequenos acontecimentos efémeros que individualizam cada tomada de vistas - é, simultaneamente, uma obra precisa, controlada, espacial e temporalmente medida ao milímetro. (...)
José Manuel Costa
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia – coreografia 2"
Lisboa, Outubro de 2008