sábado, 1 de novembro de 2008

PICKPOCKET (O Carteirista) de Robert Bresson - 06.11.2008


(...) [A] noção de caminho (de novo com o correlativo peso da graça) é inseparável deste filme, onde, de novo, se entrecruzam os temas da liberdade e da prisão. É entre as grades, que Michel descobre o sentido, na célebre réplica final: “O Jeanne, pour aller jusqu'à toi quel drôle de chemin il m'a fallu prendre”, proferida com o inconfundível acento neutro dos personagens bressonianos, e culminando um trajecto que teve que passar por tudo aquilo por que passou. Porque também, Jeanne “para ir até Michel” teve que abandonar a ordem (ligação-traição com Jacques) e a comunicação entre os dois processa-se na cumplicidade estabelecida por ambos nessa outra ordem de valores. Por isso, a música de Lully (como a de Mozart, em Un Condamné à Mort s'est  Echappé) intervém nos momentos de êxito do carteirista e nos encontros com Jeanne. Nesses vários momentos, a iluminação (traduzida pela banda sonora) dá-se, como sinal para a plenitude final. Momentos que farão dizer a Michel (sequência da missa pela mãe): “Acreditei em Deus durante três minutos” (e na citada entrevista, Bresson comentava que, “poucas pessoas podem dizer que acreditaram em Deus durante tanto tempo”).
Como quase todos os filmes de Bresson, também Pickpocket teve um outro título. Incerteza era a designação original da obra. Sem querer forçar a provável intenção desse nome, pode-se dizer que nenhum filme de Bresson, é, como este, tão aberto e incerto em possibilidades de interpretação (de uma incerteza que cada nova visão só reforça) e, ao mesmo tempo, nenhum será talvez mais rigoroso e de uma construção tão complexa (veja-se, por exemplo, a extraordinária sequência da gare de Lyon). Por isso, Pickpocket é a obra favorita dos mais fervorosos bressonianos, que nela vêem a mais ousada das tentativas do autor para desmontar o real através das suas aparências ou, se se preferir, as aparências através da sua realidade.
João Bénard da Costa
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia – coreografia 2"
Lisboa, Outubro de 2008