(...) Tudo se mexe, deriva ou freme como o puré de uvas que Herodes aspira com a ponta dos lábios sobre o espelho com o qual observa Salomé; nada é estável, um enjoo geral está suspenso sobre esse mundo que baloiça em que as luzes fraccionam as silhuetas, em que enxames de cores são agrupados por motivos para melhor deslizarem e escamotearem-se na negrura… Isto não é verdadeiramente dança, é mais uma espécie de marulhar, impressionante pulsação de uma sopa cromática que faz flutuar corpos pouco dispostos por si mesmos ao movimento: de preferência espojados, possuídos, encadeados ou petrificados. É o marulhar que os desloca e que agita para eles o poder de uma dança efectivamente invisível, que não se pode efectivar na geleia ruça e tremente da cor - dez mil véus electrizam uma dança inatingível, e contam o império de Salomé.
Cyril Béghin
in catálogo "cinematografia – coreografia 2"
Lisboa, Outubro de 2008