segunda-feira, 3 de novembro de 2008

HOME STORIES de Matthias Müller - 08.11.2008

(...) De que se compõe exactamente esta jóia cinética? De um certo número de pérolas, de estrelas ou melhor de stars femininas, tais como Kim Novak mas também Grace Kelly, Tippi Hedren, Lauren Bacall, Lana Turner, Dorothy Malone, Jane Wyman…, retiradas de dezassete filmes, melodramas e thrillers a cores do cinema de Hollywood dos anos 1940 aos anos 1960, que se transtornam, “encadeadas” numa re-montagem muito cerrada de planos similares que se sucedem, se respondem ou se fazem eco ao longo do “fio que liga os filmes”. É a montagem que conduz a dança: é portanto a arte do corte que dá continuidade, que faz todos os movimentos. Ela faz aparecer juntas, para depois se parecerem todas essas mulheres que tendem aqui a tornar-se numa única, ou melhor, uma certa imagem da mulher, uma certa incarnação hollywoodiana da Mulher, sobretudo de uma idade madura, ao mesmo tempo esplêndida e decadente, responsável e transtornada, sempre admirável mas aqui constantemente deslocada - estando todas as stars fora do seu contexto e reintegradas num outro movimento, mais abstracto mas ainda narrativo, para não dizer… supra-narrativo.
Este carácter “supra-narrativo” é um dos tours de force da composição e da coreografia, acompanhadas e irrigadas estas por uma esplêndida partitura de Dirk Schaefer (composta excepcionalmente depois da montagem, logo de um certo modo depois do ballet). O seu crescendo revela-se ao mesmo tempo formal e “mais-que-formal” - poder-se-ia mesmo dizer: sexual e “mais-que-sexual”. Eis primeiramente as mulheres prostradas, abandonadas e desoladas, antes de serem atraídas por misteriosos e imperceptíveis sinais. Será um homem que chega? Ou outra pessoa, ou outra coisa ainda, que seja mais palpitante ou ameaçadora, ainda mais monstruosa, “imostrável”? Elas acendem e apagam candeeiros, abrem e fecham portas - elas dançam a piscadela, o entreabrir, o corte - depois avançam até à janela, correm até à porta aliviadas por um instante, mas acabam, oh terror, por ver - é então que, transtornadas, elas entram em pânico, num final em espiral vertiginosa.
O que é que elas viram, então - que monstruosidade, que alteridade atroz e inominável?
(...)
Florent Guézengar
in catálogo "cinematografia – coreografia 2"
Lisboa, Outubro de 2008