quarta-feira, 24 de setembro de 2003

WE CAN'T GO HOME AGAIN de Nicholas Ray - 03.10.2003


(...) Do seu exílio, do seu refúgio, no início dos anos setenta, é o único cineasta da sua geração a dar testemunho in vivo daquilo que os jovens e o cinema se estão a tornar. E não porque, à falta de melhor, se tivesse dedicado tardiamente a alguma “experiência”, mas porque faz parte daqueles cineastas que não podem ser senão contemporâneos. Daí que Godard o amasse tanto. Daí que, na nossa imaginação, Ray não envelhecesse, tal qual como o cinema. We Can’t Go Home Again é, simplesmente, um outro filme de Ray datado de 1973. Mais um filme sobre a juventude, a do pós-68, generosa e fala-barato, drogada e pragmática, violenta e sentimental. Mais um filme sobre a educação, o grande tema de Ray, desta vez com o cineasta em cena, representando aquilo que é: um nome, uma glória passada, um professor de cinema que, nos seus tempos, fez Rebel without a Cause. Mais um filme sobre os pais que o não são, que fazem negaças ao édipo, que encenam a própria morte, que apertam nós que não se poderão nunca mais cortar. Ray, cineasta górdio: no fim do filme, enforca-se diante dos alunos aterrados, de noite, numa garagem. A voz off do enforcado murmura a um jovem algo como: “Take care of each other”. Como não pensar então em They Live by Night? Mais um filme sobre a impossibilidade do retorno, sobre a fuga para a frente, sobre a falta de um lar. Porque o filme é único: nele, um cineasta desintegra e recompõe aquilo que era a própria matéria do seu filme… O écran está povoado de imagens mais pequenas que vibram, coexistem, misturam-se. Gritos e confissões flutuam sobre um fundo negro mas este fundo negro é, por vezes, a sombra de uma casa, com um telhado, tal como as crianças as desenham. Já não uma casa para personagens mas, sim, uma casa para as imagens “que já não têm casa”: o cinema. Já não podemos voltar para casa… (...) 
Serge Daney
Cahiers du Cinéma, nº310, Abril 1980
in catálogo Temps d'Images 2003