(...) Guitry recordando-se de Sarah Bernhardt (também citada em Toâ): “Vi Sarah Bernhardt, uma noite, falando comigo nos bastidores, com a mão sobre o puxador da porta de um cenário, e acabando a frase enquanto atravessava o umbral dessa porta. Vi-a portanto passar da cidade ao palco, da mulher que ela era à personagem que ia ser - sendo ainda uma e, no entanto, já a outra. Isso não durou mais que um segundo - mas durante esse segundo, ela foi duas mulheres - e como desempenhava o papel de uma personagem cruel, ela teve para comigo, no fim de contas, um gesto afectuoso que era desmentido por um olhar feroz - dando-me assim o testemunho prodigioso de um mimetismo instantâneo” . E o próprio Guitry em Toâ, capaz de passar enquanto o diabo esfrega um olho do “eu” à “representação”, quando, tendo perguntado a Marconi se podia enfim começar a desempenhar o papel para o qual estava no palco, subitamente, como um sprinter reagindo ao tiro de partida, encadeou o seu texto a uma tal velocidade - e do mesmo modo o corpo, quer dizer, sem a ajuda de um puxador de porta - ao mesmo tempo imóvel e já longe, que aqui se renuncia a descrever o efeito produzido sobre o espectador por uma tamanha “transformação à vista”. (...)
Bernard Bénoliel
in catálogo "cinematografia – teatralidade 1"
Lisboa, Outubro de 2009
Lisboa, Outubro de 2009