domingo, 2 de novembro de 2008

ERA UMA VEZ UM MELRO CANTOR de Otar Iosseliani - 07.11.2008


Impossível não falar de Jacques Tati quando se fala de Iosseliani, não é uma questão de insistência, é uma questão de consistência: em Abril (1962) a linguagem é essencialmente visual, com momentos para tropeções entre os elementos do décor e as personagens ao estilo dos mais puros gags, que todas as andanças de mobiliário de um lado para o outro exemplificam e se torna ainda mais transparente na sequência da perturbação da relação amorosa pela interferência dos elementos não humanos da casa como as luzes que se acendem, as chamas de gás que se ligam ou as torneiras que se abrem para impedir o beijo do jovem casal; os diálogos são quase exclusivamente dispensados - os poucos que existem não têm relevância - ao contrário da elaboração do trabalho sobre a banda sonora composta à base de música e ruídos que dão espessura à coreografia dos movimentos das personagens e dos que a câmara mantém com elas; a narrativa, cuja cadência importa mais do que a progressão pura e simples, avança pela justaposição de situações pondo em cena uma cadeia de rimas, reflexos ou réplicas, aqui sobretudo através dos vizinhos das janelas fronteiras ao apartamento do par central.
É um ponto em que o raccord é possível entre este primeiro filme realizado por Iosseliani fora do contexto da escola e Era uma vez um Melro Cantor. Também aqui há vizinhança e janelas que se espreitam, neste caso explicitamente e pelo próprio protagonista que entre outras coisas é marcado por uma compulsão para mediar o seu olhar sobre um mundo a que não se ajusta (e essa é a “história” do filme, a inadaptação deste melro cantor): Guia, o músico da orquestra de Tiblisi (...)
Maria João Madeira
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia – coreografia 2"
Lisboa, Outubro de 2008