Aconchegada em sua casa, Letty (Lillian Gish) espera o fim da borrasca aninhada na cama. Julgando que é o marido, Lige (Lars Hanson), que regressa, abre zangada a porta ao malévolo Wirt Roddy (Montagu Love). Assustada por esse homem ameaçador, foge para a tormenta da noite. Ao sabor do vento, torna-se um corpo dançante.
No decurso de uma curta errância, os seus movimentos descrevem uma coreografia ditada pelas deslocações precipitadas da atmosfera. Abandonando a sua antiga forma, o seu corpo desgovernado liberta-se. A sua trajectória para diante, para fora de casa, é contrariada; Letty, fortemente impelida para trás, volta a entrar em casa. Com os braços estendidos, consegue ultrapassar a entrada e apaga-se no nevoeiro. Um plano cinzento estriado de preto (uma das paredes da casa) recolhe o seu corpo, de novo projectado. Letty agarra-se, progride lentamente. Acompanhando o vento, um travelling lateral adianta-se-lhe, faz-lhe perder terreno. Sempre relegada para os limites do campo, ela começa infatigavelmente os mesmos gestos, sem sair do mesmo sítio. Ameaçada pela corrida desenfreada do cavalo branco no céu, ela abandona e regressa, sem o querer, aos braços de Wirt. Depois perde os sentidos.
Nesta passagem de The Wind, extraviado, instável, o corpo de Lillian Gish desfaz-se, reconstitui-se ao sabor de mudanças inesperadas, de reviravoltas. Diante da rectidão de uma barreira, de uma parede, flexível, ela inclina-se e desliza como uma alga. O vento provoca vários movimentos encadeados: basculações para a frente e para trás, rotações que provocam curvaturas, tensões, percursos de diagonais imaginárias, disseminações por uma profusão de pontos, nova aglomeração…
Não é Lillian Gish que dança, é a dança que se insinua.
(...)No decurso de uma curta errância, os seus movimentos descrevem uma coreografia ditada pelas deslocações precipitadas da atmosfera. Abandonando a sua antiga forma, o seu corpo desgovernado liberta-se. A sua trajectória para diante, para fora de casa, é contrariada; Letty, fortemente impelida para trás, volta a entrar em casa. Com os braços estendidos, consegue ultrapassar a entrada e apaga-se no nevoeiro. Um plano cinzento estriado de preto (uma das paredes da casa) recolhe o seu corpo, de novo projectado. Letty agarra-se, progride lentamente. Acompanhando o vento, um travelling lateral adianta-se-lhe, faz-lhe perder terreno. Sempre relegada para os limites do campo, ela começa infatigavelmente os mesmos gestos, sem sair do mesmo sítio. Ameaçada pela corrida desenfreada do cavalo branco no céu, ela abandona e regressa, sem o querer, aos braços de Wirt. Depois perde os sentidos.
Nesta passagem de The Wind, extraviado, instável, o corpo de Lillian Gish desfaz-se, reconstitui-se ao sabor de mudanças inesperadas, de reviravoltas. Diante da rectidão de uma barreira, de uma parede, flexível, ela inclina-se e desliza como uma alga. O vento provoca vários movimentos encadeados: basculações para a frente e para trás, rotações que provocam curvaturas, tensões, percursos de diagonais imaginárias, disseminações por uma profusão de pontos, nova aglomeração…
Não é Lillian Gish que dança, é a dança que se insinua.
Fabienne Costa
in Revue Simulacres n°8, mai 2003, "Ivresses".
in catálogo "cinematografia – coreografia 2"
Lisboa, Outubro de 2008