Longos travellings, grupos em movimento, zooms que os aproximam e os afastam, eis o que, na maior parte da obra de Miklós Jancsó, viria a caracterizar a palavra “coreográfico”: amplos desdobramentos de movimentos seguindo figuras e técnicas repetitivas, que foi buscar, ora a uma ora a outra, ou simultaneamente, à disciplina militar, às cerimónias religiosas ou ocultas, às tradições camponesas, ao teatro. (...) Mais do que um estilo, algo que se inscreve claramente no ecrã como na vasta planície da puszta húngara que adoptou como o seu cenário quase exclusivo: linhas, geometrias, traços que nascem num deserto atravessado de história. (...)
A comparação entre as técnicas de organização militar e as técnicas do ballet clássico tornou-se um lugar comum teórico, “já que as danças implicam esse trabalho dos símbolos vivos e a cerimónia dos corpos fiéis, os temas de discursos concordantes sobre o poder sagrado e o amor político (...). É assim que funcionam quer as marchas, quer as danças, todos os comandos dos corpos”. O filme Os Oprimidos traduz plenamente esta comparação fazendo dela o dispositivo dos seus grandes e pequenos ciclos de circulação das personagens. (...) Parece-nos que a origem do “coreográfico” em Jancsó tem a ver com uma relação dos corpos com o espaço que não passa apenas pela adaptação mas pela geração ou desaparecimento mútuos. Ou antes, uma relação que, a partir das regras, alinhamentos, divisões, cria saltos, buracos, dinâmicas e topografias, relançando uma ideia do “coreográfico” que vai muito para além dos dispositivos militares. (...)
Cyril Béghin
in catálogo "cinematografia – coreografia"
in catálogo "cinematografia – coreografia"
Lisboa Novembro de 2007