(...) Na primeira cena – um plano único – a mão enluvada da Condessa (a mulher do General, Louise, ou Madame de...) é que ditará o movimento: abre a gaveta da caixa de jóias, mais outra caixa, ouve-se ela a murmurar o mais aborrecido é que ele mos deu no dia a seguir ao nosso casamento, ouve-se ela a cantarolar, abre uma primeira porta do armário, uma segunda, uma terceira, a das peles oh não! Recuso-me a ficar sem uma das minhas peles...volta à segunda, deixa cair o seu missal oh, meu Deus, nunca senti tanta falta dele..., apanha-o, pega num chapéu (vemo-la a meio corpo, depois a câmara acompanha-a até ao espelho de Veneza onde aparece pela primeira vez o reflexo do seu rosto, ela ajusta o chapéuzinho, experimenta furtivamente um colar preferia lançar-me à água a separar-me deste riacho, faz o mesmo com a cruz de diamantes oh, adoro-a, dá um suspiro, pega nos brincos e leva-os rapidamente às orelhas, estes são mesmo os que gosto menos, levanta-se, volta a fechar a porta do armário que ficou entreaberta, seguimo-la até descobrirmos o quarto na totalidade, enfia os brincos na bolsa e desaparece pela porta direita, sempre a cantarolar.
Mas, na realidade, um plano de Ophuls é um desafio a qualquer descrição. O movimento, da esquerda para a direita e depois da direita para a esquerda, inclui avanços e recuos, subidas e descidas, paragens e recomeços, mudanças de valor e de ritmo constantes...E este plano de abertura está longe de ser um dos mais complexos do filme. Mas dá o tom. Despoleta a curva inelutável que parte do reflexo das aparências para acabar na pura tragédia, nessa madrugada glacial em que a Condessa desmaia pela última vez.(...)
Jean-André Fieschi
in catálogo "cinematografia – coreografia"
Lisboa Novembro de 2007