segunda-feira, 5 de novembro de 2012

THE LONG DAY CLOSES de Terence Davies - 10.11.2012 - 21h30


O cinema de Davies é, essencialmente, um cinema “de instantes” que podem fazer coincidir o máximo de beleza e sonho com a mais dolorosa crueldade, (...) E no entanto, todo o filme se encontra banhado pela mesma luz difusa, transfiguradora e mágica (e os mesmos belíssimos raccords: a fuga final no comboio) que se encontra em Distant Voices, Still Lives e The Long Day Closes. Sendo um cinema de “instantes”, com o natural “peso” que cada cena tem em. si mesma, é evidente que a sua encenação terá uma forte carga “teatral”. Cada cena vale em si mesma como um “número” (e é, quase sempre, pois as cenas estão quase sempre ligadas a uma canção), sendo o filme construído como se de um musical se tratasse. Se se puder falar de uma “música da memória” expressa no cinema ela encontra a sua expressão maior nos fumes de Davies (..) e do francês Jacques Demy. A diferença principal entre os dois está no facto de Demy ter usado músicas originais para os seus filmes enquanto Davies as vai buscar ao passado. Mas também neste caso é a memória que impõe a escolha, vindo as melodias concluir o trabalho de evocação, ligando agora o espectador ao tempo evocado pelo realizador.

Com The Long Day Closes Terence Davies evoca, de uma forma transfigurada, a sua infância em Liverpool nos anos 50. A memória individual selecciona momentos da vida que “enriquece” com outras contribuições acabando por edulcorar o resultado final. A de Davies não é excepção e todos os momentos, mesmo os mais dolorosos, surgem transformados em imagens poéticas, sejam na escola, na igreja, em casa ou no interior dos cinemas e a música tem um papel decisivo na “mudança” reforçando o conteúdo poético de cada cena. Mas se cada cena em si denota uma poderosa componente teatral (bem sugestiva e brilhante na cena da festa de Natal em que Bud olha para a porta num campo/contracampo perfeito, e ela se abre lentamente, como uma “cortina” de palco, para mostrar a família à mesa virando-se para ele e saudando-o), a forma como Davies passa de uma para outra e trabalha o conjunto é eminentemente cinematográfica, fazendo os raccords em movimento, que com os da câmara em si constroem uma coreografia de sonho. (...)
Manuel Cintra Ferreira,
in "Folhas da Cinemateca"