sexta-feira, 2 de novembro de 2012

MAMMA ROMA de Pier Paolo Pasolini - 06.11.2012 - 19h00


LEMBRAS-TE DOS PORCOS?

não
praticamente ninguém se lembra
(neste caso há uma excepção)
eu não me lembrava dos três porcos entre os quais uma porca
é a primeira cena do filme
um salão para casamentos exterior interior dia
três belos porcos entram (intuzzando) roncando assustados desorientados
Pepe vem de chapéu na cabeça Nicola com laçarote na cauda
e Regina a desnaturada das ligas
parecem condenados à morte
uma mesa em ferradura de cavalo quarenta convidados
no meio o noivo Carmine negro como as brasas
e a noiva com o seu véu branco
à volta da família de campónios
colegas do noivo todos proxenetas
(...)

não me lembrava do carrocel em que Ettore desaparece
na pequena praça sob uma luz surreal e tão triste
essa luz dominical vagamente fúnebre sobre a pequena praça
e o carrossel

Ettore senta-se num coche
o carrossel gira uma vez duas vezes
Ettore desapareceu
o rosto de Mamma Roma fica desfeito invadido por uma angústia infantil
Ettore desapareceu do ecrã e da sua vida
ela vê-o alegria beatífica de Mamma Roma
ele afasta-se fica a ver uma coisa qualquer na montra
será que ele acredita em milagres se é certo não vai ser por muito tempo
este rapaz traz o vazio à sua volta uma vida de campos amorfos
a quem vai provar a sua existência
a um mundo cruel idiota e vazio um mundo para o qual ele não tem os instrumentos
para o tornar seu e compreender
(...)

lembrava-me desse branco demasiado branco exacerbado
sobre uma camada dupla de miséria
a miséria histórica dos burgos
e a miséria pré-histórica das suas ossadas de pedras
esse sol misto de morte e de vida de felicidade e de luto
Paso dá aos planos que ele ilumina de um modo particular
qualquer coisa de profundamente irreal a cor áspera escarlate das cerejas
como se se tivessem espalhado pela atmosfera
erva seca e demasiado espessa
esses personagens que sofrem
em jejum e ao mesmo tempo cheios de saúde
como se estivessem misteriosamente penetrados por essa cor escarlate
Ettore não vê que mergulhou na brancura do sol
o sol poético das memórias de uma manhã desaparecida
(...)
Marie Borel
Paris - Lisboa, Outubro de 2012
in catálogo "cinematografia - musicalidade 2"