sábado, 30 de outubro de 2010

SERGEANT RUTLEDGE de John Ford - 05.11.2010 - 21h30

 
(...) Aos olhos do mundo branco, Rutledge só pode ser culpado. Aos olhos de Ford, como aos de Cantrell, só pode ser inocente, apenas com a diferença, e não é de somenos, de que, para Ford, ele só é inocente por ser considerado culpado. Sabe, portanto, que, em certa medida, a este processo-simulacro só poderá opor um processo-engodo, trompe-l'oeil contra trompe-l'oeil.
Ford reduz deliberadamente o espaço tradicional evacuando a sala, recorre descaradamente a todo o arsenal maneirista, contrata pela segunda vez a artista menos fordiana (Constance Towers), brinca com os testemunhos, não liga minimamente ao verdadeiro culpado (que podia chamar-se MacGuffin) a não ser para fazer dele uma imitação de Hans Beckert-Peter Lorre, ridiculariza o processo (Cantrell é, simultaneamente, o advogado de defesa e um dos actores e testemunhas do drama), pulveriza as analogias dramatúrgicas que fizeram as glórias dos processos hollywoodescos e transforma o tribunal numa cena de ópera militar.  (...)
Pierre Léon
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010


(...) Já em Young Mr. Lincoln (A Grande Esperança), Ford punha em cena o processo dos irmãos Clay como uma peça de teatro. Em Sergeant Rutledge, o processo já não é metafórico, mas literal. Ford acentua a teatralidade recorrendo a ângulos e a escalas de plano que dividem nitidamente o espaço entre a cena onde se desenrola a representação e o público que assiste a ela. Há uma série de planos enquadrados do ponto de vista do público, presente ou ausente, como que apoiados na balaustrada que divide a sala em profundidade como no varandim de uma sala de teatro. Um desses planos passa da horizontal para um picado, como se a cena estivesse a ser vista do primeiro balcão. Quando o jovem advogado, que chega com um dia de atraso, vê o grupo de mulheres que espera à frente do tribunal, diz recear que elas encarem o processo que se vai desenrolar como jogos do "circo romano".(...)
Cyril Neyrat
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010
sessão com a presença de Cyril Neyrat e Pierre Léon