quinta-feira, 28 de outubro de 2010

LES INTRIGUES DE SYLVIA COUSKI de Adolfo Arrieta - 03.11.2010 - 22h00


(...) Estávamos em 1974, o mesmo ano de La Maman et la Putain, mais um filme-testemunho da época. Mas, enquanto Jean Eustache “reconstitui” implacavelmente a atmosfera do tempo - as relações amorosas, a ressaca do pós 68, o quartier latin, a moda, as palavras, os factos e os gestos - realizando, por certo involuntariamente, por intermédio da ficção aquilo que para nós se tornou também um documentário, Adolfo Arrieta deixa a ficção avançar nas entrelinhas, ao ponto de parecer que esta existe antes da chegada e da concretização cinematográfica, para além do que é filmado. Como um fotógrafo que no escuro do seu laboratório via aparecer algo nos negativos, uma figura, uma situação que não tinha visto no momento em que tirou a fotografia. Igualmente, enquanto Jean Eustache radiografa e disseca transformando os seus escalpelados em heróis universais, em Adolfo Arrieta não há a mínima cirurgia, a mínima identificação: clara manifestação de uma época, as suas criaturas são, mais do que universais, fundamentalmente intemporais, fora do tempo e fora da sociedade. Para além da ficção e para além do documentário.(...)
E há Marie France. Meio fada, meio duende, a cantora que preenchia então as belas noites do Paradis Latin é Cármen, a escultura viva. Uma libélula espetada por um naturalista, exposta a todos os olhares, tanto por Arrietta como pelo artista Vernon. E embora nem um nem outro tenham a crueldade de Peter Ustinov, ela é uma irmãzinha de Lola Montes, trágica e comovente.(...)
Renaud Legrand
in catálogo "cinematografia – teatralidade 2"
Lisboa, Outubro de 2010
sessão com a presença de Renaud Legrand e Marcos Uzal