(...) Sucede que quanto mais vejo o filme e penso nele, mais se me impõe que esse título não foi escolhido ao acaso nem por acaso foi esse o monólogo escolhido.
O que vou dizer é muito discutível, e por isso avanço com cautelas e por partes.
1) To Be or Not To Be, filme inteiramente calculado sobre efeitos de representação, sobre a representação de uma representação, sobre o teatro no teatro, sobre o cinema no cinema, sobre o espectáculo no espectáculo, parece-me funcionar de modo equivalente à “peça dentro da peça” do Hamlet. Se bem se lembram, a peça que Hamlet encomendava aos actores em visita a Elsinor, destinava-se a representar o crime que lhe matara o pai para tentar desmascarar os criminosos. Hoje, diríamos que era um psicodrama para confirmar a Hamlet que o fantasma tinha falado verdade.
De certo modo, pode dizer-se que a finalidade de Lubitsch é a mesma: através de mirabolantes peripécias, encenar o nazismo, por forma a que este fosse simultaneamente exorcizado e libertado na sua essência maléfica. A “mise-en scène” funciona como a ampliação do embuste, de todos os embustes (dos amorosos aos teatrais e aos políticos). To Be or Not To Be (inscrito, desde o título, sob o signo do teatro) é a encenação genial do duelo entre duas encenações igualmente risíveis: a do encenador Dobosch e a do encenador Hitler. Por isso, as personagens podem trocar de peça (e de papéis) com tanto à vontade e com idênticos lapsos. (...)
João Bénard da Costa
Folhas da Cinemateca
in catálogo "cinematografia – teatralidade 1"
Lisboa, Outubro de 2009
Lisboa, Outubro de 2009