segunda-feira, 26 de outubro de 2009

NE CHANGE RIEN de Pedro Costa - 30.10.2009

 
(...) “Filme de câmara”, como o filme de Straub, Huillet, como o filme de Vanda, Ne Change Rien é um filme de espaços interiores. São muito raros os momentos em que o exterior é perceptível: uma janela envidraçada filmada com uma luz muito branca, que dá para fora do estúdio onde Balibar canta emoldurada por ela, à esquerda, e pela tela à frente da qual está sentada ao microfone; ou os reflexos da circulação do trânsito na cidade no vidro da moldura do quadro pregado numa das paredes da sala de espera japonesa. São intromissões subtis do exterior nos espaços interiores onde tudo decorre. De resto, Ne Change Rien é um filme de subtilezas, também no que diz respeito à representação, entendendo por ela o que se passa no interior de cada plano, recorrentemente fixos - as mudanças de escala nos planos de conjunto, as alterações introduzidas pela iluminação, nestes e nos grandes planos, na mise en scène implicada na própria posição de câmara, no jogo de luz e sombras ou na duração de algumas imagens, por exemplo. Muitos dos seus planos gerais são filmados “como no teatro”, do ponto de vista frontal da quarta parede ausente, no caso dos de ensaios e concertos. Curiosamente, quando filma “no teatro” - as sequências de La Périchole de Ne Change Rien, tomadas da mesma perspectiva nos seus vários momentos -, a câmara escolhe desviar-se da boca de cena para assentar numa posição lateral, dirigida à porta de entrada em cena. Nesses planos (algumas vezes vazios, espaço para os diálogos e canções fora de campo), as personagens nunca se dirigem à câmara, nem nunca a câmara se dirige a elas. No teatro, os planos de Costa são verdadeiramente planos de discretos bastidores. (...)
Maria João Madeira
in catálogo "cinematografia – teatralidade 1"
Lisboa, Outubro de 2009