No interior de uma obra toda ela atravessada pela progressiva sedimentação de certos princípios e procedimentos essenciais, cada um dos filmes de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet assenta numa forma de construção específica, determinada pelos diferentes materiais envolvidos e pelo próprio conjunto de regras e de constrangimentos face a eles definido pelos cineastas, propondo verdadeiramente um método singular, que outros poderão sempre depois eventualmente aprofundar e explorar. Ao nível do seu modo de estruturação formal, Antigone representa um prolongamento e uma ultrapassagem do trabalho desenvolvido e aperfeiçoado por Straub e Huillet ao longo de vários dos seus filmes relativamente à rigorosa definição de um ponto estratégico no espaço a partir do qual todos os diferentes planos possam ser filmados, assim estabelecendo uma perspectiva única para o seu conjunto e apresentando o lugar na sua materialidade própria. (...)
Em Antigone, a adopção do dispositivo de filmagem referido e o modo de fragmentação do espaço dele decorrente colocam frente a frente um lugar arruinado, atravessado por diversos estratos temporais e pelas marcas deixadas por diferentes períodos históricos, e o verdadeiro palimpsesto constituído pelas transformações exercidas sobre a tragédia de Sófocles pela tradução de Hölderlin e pelo posterior trabalho de Brecht, conjugando-se estas duas matérias, sem nunca perderem as suas autonomias respectivas, na criação de uma imagem plenamente dialéctica, na qual passado e presente passam a existir num semelhante nível de simultaneidade, iluminando-se reciprocamente.
João Nisa
in catálogo "cinematografia – teatralidade 1"
Lisboa, Outubro de 2009
Lisboa, Outubro de 2009