domingo, 21 de setembro de 2003

FRENCH CANCAN de Jean Renoir - 27.09.2003


(…) Sabe-se que se trata de alguns episódios da vida de Zidler (Danglard), que criou o "Moulin-Rouge" no local do Cabaret de la Reine-Blanche. (…) Se Jean Renoir conseguiu evocar no ecrã, de uma maneira visualmente válida, uma certa época da pintura, tal nunca acontece por uma imitação exterior das suas características formais, mas sim por se colocar num determinado ponto de inspiração a partir do qual a sua direcção se ordena, espontânea e naturalmente, com um estilo concordante com essa pintura. (…) Mas French Cancan é para mim muito mais do que essa integração do estilo pictórico: o seu desenvolvimento no tempo. Ouso mesmo dizer que este filme é tão belo quanto um quadro de Renoir, mas um quadro com uma duração, um futuro interior. Esta afirmação sugere contradições que há que rectificar de imediato. Não sendo a verdadeira pintura, na sua essência, anedótica, e muito menos a de Renoir, o seu desenvolvimento temporal também não é dramático. A inestimável importância de French Cancan advém, na minha opinião, quase inteiramente dessa originalidade que lança, retrospectivamente, uma nova luz e, quiçá, explica completando-a, a evolução já bem desenhada em Le Carrosse. É certo que já louvámos outros filmes por terem sabido libertar-se das categorias dramáticas, mas isto para constatar a sua inspiração literária. Neste caso, trata-se de uma perspectiva estética totalmente diferente. Efectivamente, a pintura não é senão objectivamente intemporal. De facto, para quem a contempla, é um universo a descobrir, a explorar. Assim, o tempo é uma dimensão virtual do quadro. Mas, se esse quadro começar a viver, a sofrer metamorfoses que vão afectar tanto o seu equilíbrio plástico como o seu tema, vemos que esse tempo objectivo não substitui de modo algum o tempo subjectivo mas, pelo contrário, se junta a ele. E é essa a sensação que nos provoca o espectáculo de French Cancan, a de existir em dois tempos, o tempo objectivo dos acontecimentos e o tempo subjectivo da sua contemplação.
(…) É o impressionismo multiplicado pelo cinema.
André Bazin
Jean Renoir, ed.Champ Libre
in  catálogo Temps d'Images 2003