domingo, 4 de novembro de 2012

DIE GROSSE LIEBE (O Grande Amor) de Otto Preminger - 08.11.2012 - 19h30


(...) Quando Die Grosse Liebe começa, dir-se-ia que o filme acaba de acordar e que o empurraram em pijama para a boca de cena. A sequência de exposição no comboio, em que a câmara passa de um grupo de viajantes para outro, trangalhadanças e desajeitada, é uma colagem aos soluços de planos isolados. Vemos um homem ainda novo mas marcado, o corpo como que entravado por fios invisíveis, mudo e opaco, reticente ao palrar amável dos vienenses: levanta-se, dirige-se para a janela, uma folha de papel cai-lhe do bolso e os viajantes indiscretos descobrem um telegrama que anuncia ao homem a morte da mãe quando ele era prisioneiro de guerra em Tiflis. O telegrama data de 1917. Estamos em 1927, passaram-se dez anos e os curiosos, comovidos com este mistério entregam ao homem a sua carta fúnebre. O som, aquele som de antes da mistura, característico do período do cinema mutante onde se cruzam grandíssimos filmes como Okraina de Barnet, La Nuit du Carrefour de Renoir, Pilgrimage de Ford ou Broken Lulaby de Lubitsch, ao mesmo tempo que dilata o tempo, proporciona aquele luxo incrível que é ouvir os timbres e os ruídos que, fundidos, não teriam aquela esbeltez revigorante. As crianças tocam pente, os amáveis vienenses cavaqueiam alegremente, as suas vozes, como o coro grego, falam em lugar do herói sorridente e ferido. Esta sinfonia de timbres claros, entre Haydn e Stravinsky, sopra sobre as feridas infligidas involuntariamente pela montagem. Apesar da sua claudicação dramática esta cena faz ver, se não pressentir, o tema real do filme, o da memória solúvel na infelicidade, o do tempo que, re-escrito, dá o poder de curar e de viver feliz até à próxima amnésia colectiva.
(...)
A longa sequência, mesmo antes do happy end, que cruza a representação em casa dos Huber e a fuga de Any para casa de Frieda é um puro momento de comédia social, mistura inesperada e antecipatória do quiproquo da Collinière (em La Règle du Jeu de Renoir), da festa espanhola em Le Diable Boîteux (Guitry) até do último número de Victor/Victoria (Blake Edwards). No palco do teatrinho burguês dos Huber, já não se toma chá, mas representa-se uma comédia musical para os convidados, antes de ser revelada a notícia do noivado de Any com Theobald. Este desempenha o papel de um toureiro rodeado de mulheres jovens e atacado por uma vaca de saiote (como o cavalo do teatro isabelino). A música de Walter Landauer é extraordinária e extraordinariamente cantada pelas Singing Babies, variante feminina dos Comedian Harmonists e Hans Olden anima maravilhosamente o desajeitado Theobald.
Pierre Léon
Paris, Junho de 2012
in catálogo "cinematografia - musicalidade 2"