domingo, 4 de novembro de 2012

A TERRA VISTA DALLA LUNA de Pier Paolo Pasolini - 08.11.2012 - 19h30


(...) Vamos encontrar Toto e Ninetto como os tínhamos deixado um ano antes em Uccelacci e Uccelini, dois vagabundos nos campos e nos arrabaldes romanos. (...). São os mesmos? Sim, os mesmos Toto e Ninetto, o pai e o filho - “a humanidade inteira” segundo PPP, dois verdadeiros pícaros, sem tostão, malandros, absolutos contrapontos daquilo que seriam os cavalheiros da Itália dos anos 60, burgueses e outros financeiros. Eles são os abandonados dos tempos modernos e a sua busca, já que se trata de uma narrativa picaresca, estará - como acontecia em Uccelacci e Uccelini - semeada de ciladas, encontros, desilusões, corridas e perseguições.
(Pasolini gostava de Chaplin e não faz senão ir buscar-lhe o frenesim burlesco, os acelerados que fogem para o campo e a barraca que como em Tempos Modernos se metamorfoseia em ninho de amor, feito disto e daquilo pela varinha de condão de Paulette Godard ou de Silvana Mangano; faz de Toto, protótipo no ecrã do pequeno burguês resmungão e azedo, o seu Charlot, “quase meigo e indefeso como um passarinho; está sempre cheio de ternura e, diria eu, de pobreza física”. Ninetto, quanto a ele, é Ninetto, volúvel, juvenil, encantador insolente, ingénuo, maravilhoso.) (...)
Vagabundos, pois, e não celestes, bem terrenos (pois é da Lua que são vistos). Sim, são os mesmos Toto e Ninetto com as suas vidas feitas de pedaços de fios.(...)
O seu planeta é muito pequenino, meia dúzia de quilómetros (apesar de se encontrar no meio da trapalhada da barraca um chinês de bigode que desaparece de imediato), uma zona de terrenos baldios e de casinhas de betão e de cartão, mas é o mundo inteiro, tal como o é um candeeiro infantil onde giram pequenas paisagens, estrelas e cavaleiros. Um desfile todo em travelings que visam a distância e em corridas aceleradas que entrecortam - a menos que seja o contrário - grandes planos, cenas de máscaras e de caretas feitas aos (perante os) espectadores. E esta alternância permanente do longe e do perto, do pequeno e do grande, do mudo e do falante, da pintura e do teatro constrói-se como uma canção em que o verso seria os grandes planos, já que são eles que contam e a fuga seria o refrão, já que Toto e Ninetto serão sempre vagabundos, sempre em parte nenhuma, entre as duas águas do desenrascanço, da confusão e do salve-se quem puder paródico.(...)
Renaud Legrand
Outubro de 2012
in catálogo "cinematografia - musicalidade 2"