(...) Só vejo um meio de gostar de um filme. É ser transportado pelo entusiasmo diante da sua exibição, é confundi-lo com o seu mito. Quero dizer que a própria fraqueza do roteiro permite, melhor ainda, um olhar atento para discernir a técnica da "mise en scène" e da direcção dos actores. Que ela seja sublime não nos surpreende, mas continua evidentemente a nos deslumbrar. Para além de tudo o que se possa pensar de bom ou de ruim a respeito de todos os episódios do filme, burlescos, patéticos, dramáticos ou sem importância, o universo chapliniano ainda é de uma beleza fascinante. O grau de despojamento por ele alcançado de imediato talvez seja superior ao de Verdoux. A secura do gesto, a elegância incisiva da representação, a concentração da ironia, a economia fulgurante da elipse exalam um encanto vertiginoso que age, a rigor, como por hipnotismo. Senti isso em particular na segunda vez em que assisti ao filme, quando a segunda parte me pareceu decididamente se formar de túneis intermináveis. Subsistia em mim apenas a imperativa contemplação de uma espécie de geometria luminosa, do centro da qual irradiavia, entretanto, uma presença ao mesmo tempo humana e abstracta.
Guardei sobretudo a lembrança de portas abertas e fechadas, entradas e saídas, chapéus falaciosamente esquecidos sobre uma poltrona para permitir a volta ao local, em suma, uma agitação sublimemente vã como uma dança. Tudo depende, portanto, do lado pelo qual se analisa o filme. Se for pelo roteiro, ou mesmo pela "mensagem", creio que ele não resiste à análise, devendo apenas ao prestígio de Chaplin evitar o ridículo. Mas se for, justamente, por intermédio de Chaplin e de seu gênio de realizador, então naturalmente há mais a admirar e aprender com Um Rei em Nova Iorque que em um ano de cinema mundial.
Chaplin é sempre Chaplin, mas agora é apenas Chaplin
André Bazin
France-Observateur, nº390,
31 de Outubro de 1957