(...) Embora o filme siga este lento fluir do tempo e do rio, avance constantemente na estabilidade e relatividade do presente, Renoir também conhece a complexidade do tempo, ou a percepção que temos dela, não esquece que o tempo actual é “ao mesmo tempo” o passado, as recordações, as coisas inscritas em si, por muito “homem novo” que sejamos, e que surgem à superfície do rio. Esta presença do passado, esta combinação em cada um de nós que não respeita a cronologia, exprime-a ele com a voz off - a pequena Harriet que se torna adulta e que não vemos, um fantasma na ficção, tornando emblemática a figura da infância - que conta no passado enquanto a imagem mostra o presente do passado, ou o passado no presente. Simultaneamente, coloca o espectador num momento entre, nesta actualidade da recordação, um tempo intemporal.
(...)
E Renoir rejubila com a cor - não chegou mesmo a mandar pintar a vegetação por achar que faltava brilho? Uma utilização da cor sinfónica, o bater ribombante de pratos, além de um dueto com a música, quer aquando da festa de Diwali com fogueiras e Convite à Valsa de Weber, ou para proclamar a chegada da primavera, com árvores floridas, bombardeamento de giz colorido e percussões desenfreadas. A música de O Rio Sagrado é principalmente a das circunstâncias: ouvimos o que as personagens ouvem, folclore indiano nas ruas, na casa o Convite à valsa na grafonola, Schumann tocado ao piano por uma das crianças, mas não música de filme. Antes uma música documental, captada ao vivo durante a filmagem, como que roubada à realidade desta família de ficção.
Renaud Legrand
Paris, Outubro de 2012
in catálogo "cinematografia - musicalidade 2"