O cinema de Davies é, essencialmente, um cinema “de instantes” que podem fazer coincidir o máximo de beleza e sonho com a mais dolorosa crueldade, (...) E no entanto, todo o filme se encontra banhado pela mesma luz difusa, transfiguradora e mágica (e os mesmos belíssimos raccords: a fuga final no comboio) que se encontra em Distant Voices, Still Lives e The Long Day Closes. Sendo um cinema de “instantes”, com o natural “peso” que cada cena tem em. si mesma, é evidente que a sua encenação terá uma forte carga “teatral”. Cada cena vale em si mesma como um “número” (e é, quase sempre, pois as cenas estão quase sempre ligadas a uma canção), sendo o filme construído como se de um musical se tratasse. Se se puder falar de uma “música da memória” expressa no cinema ela encontra a sua expressão maior nos fumes de Davies (..) e do francês Jacques Demy. A diferença principal entre os dois está no facto de Demy ter usado músicas originais para os seus filmes enquanto Davies as vai buscar ao passado. Mas também neste caso é a memória que impõe a escolha, vindo as melodias concluir o trabalho de evocação, ligando agora o espectador ao tempo evocado pelo realizador.
Com The Long Day Closes Terence Davies evoca, de uma forma transfigurada, a sua infância em Liverpool nos anos 50. A memória individual selecciona momentos da vida que “enriquece” com outras contribuições acabando por edulcorar o resultado final. A de Davies não é excepção e todos os momentos, mesmo os mais dolorosos, surgem transformados em imagens poéticas, sejam na escola, na igreja, em casa ou no interior dos cinemas e a música tem um papel decisivo na “mudança” reforçando o conteúdo poético de cada cena. Mas se cada cena em si denota uma poderosa componente teatral (bem sugestiva e brilhante na cena da festa de Natal em que Bud olha para a porta num campo/contracampo perfeito, e ela se abre lentamente, como uma “cortina” de palco, para mostrar a família à mesa virando-se para ele e saudando-o), a forma como Davies passa de uma para outra e trabalha o conjunto é eminentemente cinematográfica, fazendo os raccords em movimento, que com os da câmara em si constroem uma coreografia de sonho. (...)
Com The Long Day Closes Terence Davies evoca, de uma forma transfigurada, a sua infância em Liverpool nos anos 50. A memória individual selecciona momentos da vida que “enriquece” com outras contribuições acabando por edulcorar o resultado final. A de Davies não é excepção e todos os momentos, mesmo os mais dolorosos, surgem transformados em imagens poéticas, sejam na escola, na igreja, em casa ou no interior dos cinemas e a música tem um papel decisivo na “mudança” reforçando o conteúdo poético de cada cena. Mas se cada cena em si denota uma poderosa componente teatral (bem sugestiva e brilhante na cena da festa de Natal em que Bud olha para a porta num campo/contracampo perfeito, e ela se abre lentamente, como uma “cortina” de palco, para mostrar a família à mesa virando-se para ele e saudando-o), a forma como Davies passa de uma para outra e trabalha o conjunto é eminentemente cinematográfica, fazendo os raccords em movimento, que com os da câmara em si constroem uma coreografia de sonho. (...)
Manuel Cintra Ferreira,
in "Folhas da Cinemateca"