segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O RIO DO OURO de Paulo Rocha - 18.11.2011 - 21h30


 (...) "A Balada do Rio do Ouro" – tal era o título do projecto inicial – configurava um objecto fílmico que se pretendia construído como uma partitura musical, não apenas pela sua composição desdobrada em andamentos, sobre um mesmo pano de fundo fluvial permanente, como também pela recorrência das referências muito concretas a formas populares da palavra-em-música (que implicaram um aturado processo de investigação-invenção, no qual tive a honra e o prazer de participar). Para já não falarmos daquilo que, entre os demais traços específicos, faz o génio singular do gesto deste mestre, a saber, a musicalidade dos seus planos-sequência, em que cine-olho e corpos filmados se envolvem em coreografias violentas, por vezes sofredoras, sempre líricas e absolutamente reorganizadoras do «real». O plano-sequência de Rocha esculpe no vivo do espaço-tempo, através da carne desarmada dos seus muito amados actores. (...)

Regina Guimarães
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011

(...) Tenho a impressão, sempre que aquela luz rósea e dourada se escapa dos planos, de me encontrar em companhia de fantasmas muito vivos que nunca deixaram de exercer o seu poder sobre o carácter dos homens: Homero, Sófocles, Shakespeare, Dostoievski, Kafka que, todos eles, sabiam que uma narrativa autêntica se baseava na permanência e na transmissão, quer dizer, na declinação de uma gama de sinais em variações infinitas. Numa palavra: na repetição.
A gama de sinais é, aqui, sobretudo musical mesmo se nos podemos entreter a procurar equivalências entre as cores repartidas com rigor ao longo de todo o filme (o ouro e o sangue conjugados em tonalidades mais suaves, um ocre de poeira e um rosa carne) e as melopeias que se erguem até ao céu a partir das margens onde as mulheres velam e a partir do próprio rio, onde velam outras criaturas: assim se obteria um exemplo bastante surpreendente de sinestesia eisensteiniana. Sem ir tão longe, não porque fosse errado mas porque seria exagerado, do filme emana, todavia, a ideia muito forte de correspondências orgânicas que lhe garantem coerência e espírito e sugerem a imagem de uma fonte inesgotável de jogos e de mistérios, a do próprio rio: ao mesmo tempo vasta e profunda.(...)
Pierre Léon
in catálogo "cinematografia - musicalidade 1"
Lisboa, Novembro de 2011