Bastou a Philippe Garrel um travelling circular para entrar na história. O segundo plano-sequência de La Cicatrice Intérieure descreve Garrel a caminhar em círculos no deserto, em torno da câmara: na origem da marcha, o choro de Nico (“Philippe!”) e a expressão desfeita, grave, do rapaz, de braços caídos. Garrel passa uma vez junto a Nico, passa por cima dela antes de partir para nova volta à pista. Duas grandes voltas ao som de uma música majestosa “Janitor of Lunacy”, cantada por Nico.(...)
Este travelling circular que desenha uma roda no meio do deserto marca bem o fim de um mundo velho. Foi evocado Orfeu a propósito desta marcha, forçada e obstinada, em que o poeta não se volta para trás, à procura da sua Euridice. Com os cabelos negros arranjados como um capacete brilhante, caminha ainda no plano seguinte, desta vez de frente, de cabeça baixa, ignorando Nico que grita e tropeça até ele próprio tropeçar também. (...) O encontro com a “superstar” de Andy Warhol, a cantora Nico, mantém-no no caminho glorioso daquela mitologia simples – um homem, uma mulher, uma criança, a Natureza – e há que refazer todo o cinema. (...)
A intensidade de cada plano é tal, que os sessenta minutos brilham conjuntamente sem condições: como uma constelação.
Stéphane Delorme
in catálogo "cinematografia –coregrafia"
Lisboa Novembro de 2007
in catálogo "cinematografia –coregrafia"
Lisboa Novembro de 2007